Vejo o que se passa na Ucrânia e fico estarrecida. Como uma jovem ucraniana disse um dia destes, também eu achava que “vivíamos num mundo moderno”, em que se respeitavam as fronteiras de países soberanos e em que, quando muito, as guerras seriam económicas e feitas através de ciberataques. Enganámo-nos. Os cenários que os nossos pais e avós nos contavam – e que nos pareciam surreais – estão a acontecer, aqui e agora, ao pé de nós. Matam pessoas como se (nem) de animais se tratassem.

Ouvi toda a vida relatos das guerras e até de revoluções, incluindo as nacionais (…) – explosões, bombardeamentos de sedes de partidos, ocupações de casas de civis, tomada de regimes pela decapitação ou envenenamento dos seus líderes, atentados (…) – e, embora acreditasse, pareciam- me sempre cenários remotos de filme…

Hoje em dia percebo porque é que as gerações dos nossos pais e avós eram muito mais cultas do que a nossa: viveram acontecimentos históricos em primeira mão e sabem – não lhes contaram – quem foram os vilões da altura, tal como sabemos hoje – e um dia contaremos aos nossos filhos – quem são, pelo menos alguns, dos vilões de agora. Hoje percebo uma certa repulsa com que se falava dos russos (entre outros), não pelo povo que, em grande parte, é vítima, mas pelos seus líderes e pelo saudosismo da União Soviética que ainda vivem aos dias de hoje.

Olhando para Portugal, espero que ninguém nos tome de fora, de acordo com a imagem que têm dos nossos líderes, mas, infelizmente, o cartaz exibido por uma Ucraniana em Lisboa estes dias é suficientemente representativo: “Dear Portugal, everytime an Eastern European sees (emblema da União Soviética) on your streets, it hurts”.

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Às vezes tenho dificuldades em explicar (como se fosse preciso justificar!) a razão pela qual o regime de proteção de dados pessoais sensíveis (como convicções políticas e filosóficas ou até os dados biométricos, que identificam inequivocamente o seu titular) e o regime de transferências internacionais de dados pessoais são tão exigentes…

O fenómeno é simples: a nossa geração europeia vivia até estes dias confortável no seu sofá, longe de ameaças ou perseguições políticas, longe de guerras que hoje podem ser feitas através de drones cuja tecnologia permite identificar características biométricas e, assim, atirar certeiramente ao alvo.

Basta vermos que se Zelenskiy tivesse dado a uma empresa russa (ou a um dos seus aliados) os dados do seu reconhecimento facial, estava morto desde o primeiro dia da Invasão Russa. E os manifestantes anti-Putin, cujos dados foram enviados à Rússia pela Câmara Municipal liderada por Medina, podem, um dia destes, estar mortos, principalmente se voltarem a pisar território russo.

O preço a pagar pelo desrespeito do regime legal da privacidade e proteção de dados pessoais, designadamente quanto a dados sensíveis e a transferências internacionais de dados, pode ser, num cenário destes, não só a limitação da liberdade, mas a morte dos seus titulares – ou até de um povo – e não há coima de milhões que compense (nem, pelos vistos, que previna) isso.