Estamos todos a pensar, a sentir e a falar sobre a pandemia e os seus impactos nos mais diferentes ângulos. Seja no âmbito das relações de trabalho, das dinâmicas familiares, da (des)confiança nas instituições ou da esperança no futuro, vários estudos apontam para um impacto de nível semelhante ao da Segunda Guerra Mundial, com a diferença que esta não é uma “guerra” que acaba num momento específico e, no dia seguinte, passamos à reconstrução.

Por exemplo, o recém-publicado 2021 Financing for Sustainable Development Report da Inter-Agency Task Force on Financing for Development das Nações Unidas alerta para uma “década perdida” em termos de desenvolvimento, onde as diferenças entre ricos e pobres aumentarão ainda mais com fortes consequências socioeconómicas. Por outro lado, as principais bolsas de valores da Europa seguem a sua trajetória ascendente, confiantes numa recuperação a reboque do gigantesco investimento do Horizon Europe – e sobretudo, na crença dos economistas de que, após a vacinação maciça, voltaremos aos restaurantes, às lojas e aos aeroportos para consumir e viajar como se novamente não houvesse amanhã – e como se, de modo geral, os Europeus adultos e economicamente ativos não fossem mais “poupadinhos” do que gastadores.

É altamente provável que queiramos, sim, gastar até o que não temos para celebrar o retorno às ruas e com isso provocar uma mega-injeção de capital na economia. Mas, devemos fazer isso a seguir à pandemia? Fará sentido retomar todos os nossos hábitos de consumo, apesar do inquestionável prazer que proporcionam, se estamos cientes de que o controlo da poluição, do lixo e da extração de matérias-primas é também uma responsabilidade nossa? É somente através do não-consumo que diversas indústrias serão forçadas a inovar e reinventar-se e que diversas metas de transição verde e digital serão alcançadas de forma efetiva e estruturante.

No arranque dos confinamentos pelo mundo, há um ano, dados preliminares recolhidos pela Agência Espacial Europeia (ESA) sugeriram que a redução da mobilidade e do consumo de combustíveis fósseis geraria impacto quase imediato na poluição atmosférica das grandes cidades. Porém, bastaram mais alguns meses de pandemia para novas evidências levantarem dúvidas sobre a permanência deste cenário, indicando assim o óbvio: a redução sistemática da poluição envolveria muito mais do que uma sociedade hipoteticamente trancafiada em casa. Três quartos dos países registraram, em 2020, níveis superiores às recomendações máximas da presença no ar de micropartículas apesar da queda significativa das atividades poluentes, segundo relatório da empresa suíça IQAir e o Greenpeace. E nos Estados Unidos, números da Universidade de Delaware mostram que o nível médio de poluentes na atmosfera norte-americana recuperou no final de 2020 e está a aumentar novamente – e vai continuar a crescer, com maior rapidez, quando o consumo e o setor dos transportes voltarem à normalidade.

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É por isso que a nossa responsabilidade individual é acrescida. É através das nossas novas ações que teremos ganhos em escala enquanto sociedade, e que impulsionaremos os agentes económicos a ultrapassar as fases da consciência e de discurso ambiental para entrarem de vez na fase da ação: da tão falada inovação. As máscaras que encontramos no chão das ruas, em cursos de água e nas praias, ou o seu descarte em caixotes inadequados são apenas “pequenos exemplos” que nos chamam à atenção, pois ainda são uma novidade aos olhos. Enquanto isso, todos os demais resíduos do nosso historial de consumo transformam-se em “paisagem” ou ficam simplesmente invisíveis. Quando percebemos o crescimento inquestionável das robustas embalagens para proteção e transporte, utilizadas na explosão do e-commerce durante a pandemia, ou a chuva de microplásticos detectada nos céus da Califórnia, parece que o único sentido ainda capaz de ajudar a reagir ao “velho normal” é o olfato: fica a ideia de atribuir odores nauseabundos à riquíssima matéria-prima não reciclada e que poderia ser aproveitada pela economia circular.

Felizmente, as práticas tangíveis de sustentabilidade para além do discurso vazio do greenwashing também crescem numa escala vertiginosa dentro de Portugal. Empresas, startups, centros de investigação e o poder público articulam-se para inovar de forma colaborativa – a única forma de gerar algum impacto sistémico. Programas de inovação como o NextLap, liderado pela portuguesa Valorpneu ao lado da maior recicladora de pneus do mundo, a dinamarquesa Genan, está a desenvolver pilotos ao lado de startups e players da indústria para dar uma nova vida aos pneus: segundo dados do WBCSD (Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável), de dezembro de 2019, todos os anos são descartados mais de 30 milhões de toneladas de pneus em fim de vida no mundo, gerando um passivo poluente e tóxico do qual a Europa é responsável por cerca de 10% do total. Por sua vez, os projetos-piloto desenvolvidos no âmbito do programa Bluetech, liderado pelo Ministério do Mar português com a Fundação Luso-Americana de Desenvolvimento (FLAD), projetam uma redução de dezenas de milhares de toneladas de gás carbónico nos principais portos do país, como apontado no seu relatório de impacto.

Há muitos outros exemplos. A plataforma Smart Open Lisboa, da Câmara Municipal da capital, está, neste momento, a selecionar startups de todo o mundo para, ao lado de grandes empresas do setor privado, desenvolver projetos conjuntos dentro da sua vertical para a Economia Verde. E a Sociedade Ponto Verde, que comemora este ano 25 anos de atuação, lançou recentemente o programa Re_Source, com uma convocatória global a startups com soluções que venham aumentar a circularidade de embalagens de vidro, alumínio e plástico, ou que sejam capazes de sensibilizar as pessoas para uma mudança naquela que deveria ser a mais simples das nossas atitudes, mesmo assumindo-se numa escala ascendente de consumo: a separação e o descarte correto de embalagens.

Embora estejamos todos ansiosos para, merecidamente, celebrar a vida e o convívio nas ruas e noutras geografias, é o futuro próximo que vai marcar a hora da verdade no nosso compromisso com a sustentabilidade. Vamos efetivamente confrontar os nossos comportamentos passados com as escolhas que iremos fazer daqui para a frente? São estas escolhas que vão criar a escala necessária para o redesenho de processos produtivos, cadeias de valor e distribuição na economia. Chame-se a isso pressão social, tendência de consumo ou consumer insight, o que interessa é que seja sentido por aqueles que ainda não mudaram – para que assim nós e os nossos descendentes recebam uma resposta adequada.

Isso para não falar, obviamente, do planeta: menos ego, mais eco. Adeus antropocentrismo, olá biocentrismo: a visão de que todas as formas de vida são importantes e que não somos o centro da existência. Sem greenwashing: dará trabalho, mas também dará futuro.