Afinal, para que serve o presidente do tal Eurogrupo? Deixemos o próprio dr. Centeno explicar: para “(…) conduzir a discussão para alcançar o consenso necessário à construção de uma UEM com um quadro institucional mais resiliente, promovendo a convergência económica e indo ao encontro das expectativas dos cidadãos”. Serve, portanto, para se aliviar de pateguices semi-analfabetas.

A espectacular irrelevância do cargo e, sobretudo, do seu fresquíssimo ocupante foi devidamente tida em conta pelos “media” lá de fora, que dedicaram ao assunto a atenção que um Maserati dedica ao Museu dos Coches. Já os “media” cá de dentro, ou a parte expectável deles, entraram em previsível êxtase. Não era para menos. Num único “acontecimento” (liberdade poética), juntava-se tudo o que os move: o imaginário brio nacionalista; um lugar de imaginário prestígio internacional; a imaginária consagração das políticas socialistas; a oportunidade de, mediante vénia ou cócoras, voltarem a exaltar os imaginários méritos do dr. Costa. Num desses jornais que vendem 3000 exemplares e cada exemplar inclui 4000 louvores dos poderes vigentes, uma vetusta personalidade do jornalismo caseiro resumiu o tom geral: dado ser óbvio que o dr. Centeno é uma luz resplandecente, todos os que não se curvam ante tamanho brilho são rematados idiotas. Com ligeiras variações de presunção, o tipo de presunção que quem manda despeja em quem obedece, a maioria das opiniões publicadas não se afastou excessivamente da referida em matéria de profundidade e pertinência.

Resta um pormenor. Esta profundidade, esta pertinência e esta presunção não são exactamente novas. Ouvimo-las, das mesmas incansáveis alminhas, no tempo e a propósito do “eng.” Sócrates. Andava o bom homem a esfarrapar o país de alto a baixo, na economia, na liberdade e na decência, e os bajuladores da oligarquia prestavam-se a um papel igualzinho ao que se prestam agora. De facto, não prestam para mais. Ontem como hoje, o comentariado indígena defendia as virtudes dos donos contra os “neoliberais” que duvidavam das ditas. E ai do “neoliberal” que ousasse continuar a duvidar – no mínimo, levava um enxovalho; no máximo terminava no olho da rua. Ontem como hoje.

Após um interregno de quatro anos para verter ódio em cima de Pedro Passos Coelho, vulgo o Usurpador, o comentariado regressou à veneração dos bandos que põem e dispõem disto, actualmente enriquecidos pela aliança jovial com quadrilhas totalitárias. E fê-lo sem arrependimento, pingo de vergonha ou sequer um pífio pedido de desculpas. Essa gente limitou-se a trocar de santinho e, a pretexto do dr. Centeno ou do pechisbeque que calhar, a repetir as lisonjas de sempre. E a aplicar o desprezo de sempre aos que sentem, inclusive na pele, os efeitos do repulsivo estado das coisas.

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A propósito de coisas, uma é certa: quando emite as opiniões que os donos lhe ditam, o comentariado não fala no vazio. Por incrível que pareça, existe, fora dos interesses, dos compadrios e das avenças, um público que genuinamente engole os elogios ao dr. Costa com a credulidade, e a abertura digestiva, com que engolia as tentativas de beatificação do “eng.” Sócrates. Porquê? Curiosamente, é o próprio dr. Costa a fornecer uma possível resposta.

Há dias, o primeiro-ministro lembrou: “O maior défice que temos não é o défice das finanças, é o que acumulamos de ignorância, de desconhecimento, de ausência de educação, de ausência de preparação”. Tipicamente, e decerto a título exemplificativo, o homem tropeçou nos conceitos e a frase não faz sentido nenhum (um défice de desconhecimento é mau?). Ainda assim, percebeu-se a ideia, que além de um impiedoso retrato dos senhores que governam, é igualmente um retrato fiel de boa parte dos governados. Não é fácil cometer um erro, insistir em errar e não aprender um bocadinho no processo. Sofrer a hecatombe socialista, pagar pelas respectivas consequências e voltar a abraçar as causas do desastre com a inocência e a esperança iniciais não está ao alcance de qualquer sociedade. Talvez seja necessária uma extraordinária abundância de primitivismo, ou infantilidade, ou estupidez, se preferirem a ofensa.

E há pior. Num país não propenso a confundir-se com um jardim-escola, a reacção natural dos eleitores ao colapso engendrado pelo PS seria escorraçar a seita em definitivo, simbólica ou literalmente. Aqui, pelo contrário, o PS floresce nas sondagens, o CDS é liderado por uma aprendiza do marxismo e o PSD “reforma-se” com entulho de modo a competir em votos com a toleima em curso. Por pudor, não menciono o quinto da população que orgulhosamente escolhe os herdeiros de Lenine e sonha com a felicidade venezuelana. De um lado, há milhões de cidadãos encantados com o saque dos seus impostos para alimentar a pândega (eles chamam-lhe “consciência social”). Do outro, um deserto povoado por meia dúzia de excêntricos. O povo – equívoca palavra – não só tolera a desgraça: exige-a.

O dr. Costa tem razão ao notar a ignorância que por aí vai. E mente ao prometer combatê-la, não por não ser sua obrigação ou por ser um burgesso, mas por não lhe dar jeito. Todos sabemos que o sistema que o dr. Costa representa prospera unicamente sobre a apatia alheia, e que, apesar dos foguetes e da propaganda, isto acabará mal. Sabemos, ou deveríamos saber. Porém, o dr. Costa é o primeiro a admitir, com falsa consternação, que ninguém sabe nada.