Não nos conhecemos novos: nem eu era nova e já ele estava quase a completar os 70 quando cruzamos caminhos. Por isso, não assisti a nenhum dos feitos que o tornaram na pessoa pública que foi, não participei na construção das obras notáveis que todos conhecem e nem me aventurei em nenhuma das viagens históricas que ele liderava ano após ano com rigor e pontualidade.

“Padre António, sente-se aqui à frente”, pedi-lhe, enquanto abria a porta do carro com todo o cerimonial. “Era o que faltava! Isso era antes do Vaticano II, na altura do clericalismo: vais tu à frente porque quem vai a guiar é o teu marido e o carro não é meu”. O padre António ensinou-me Igreja, mostrou-me Cristo, disse-me que um Santo é um pecador que não desiste.

“Vocês repararam que os jacarandás já floriram? Lisboa fica linda nesta altura do ano”. Sempre que os jacarandás estão floridos, lembro-me do padre António Vaz Pinto. Ensinou-me a apreciar a beleza das acções humanas em cada história que contava, porque cada história era simples e exemplar ou era alegre, tal como deve ser a Igreja. “Se eu já contei esta história, vocês avisem-me. Não quero estar a maçar e não façam cerimónia em interromper-me!”. Era uma ordem. Mas não havia nada melhor do que ouvir aquelas histórias sem nomes, só de lições e de piadas.

Ensinou-me que ser Igreja é ser alegre. O rosto de Cristo não é um rosto macambuzio, triste, desiludido, franzido. E cada cristão é o rosto de Cristo no mundo. Era tudo claríssimo dito por ele, explicado por ele. “Estou a ser claro?”

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Aos seus olhos, no seu coração, a esperança nos homens e no mundo era quase infinita. Era a que Deus quisesse e que ele, todos os dias, devia rezar para manter viva, apesar das guerras, da miséria, das desilusões, da maldade que teimavam em tentar derruba-lo. Mas valia sempre a pena mais um esforço pelo outro, por uma causa, por um objectivo; porque o desanimo, o pessimismo, o desespero era o contrário do bem, de Deus, – ensinou-me ele.

Ensinou-me Cristo. Mostrou-me em cada Evangelho a misericórdia e a paciência de Cristo e como isso me ajudou a ser mãe, a crescer na Fé. Em tantas explicações sobre as Escrituras, revelou-me a sua intransigência e rigor no Bem, na sua amizade com Cristo. Assim como a sua displicência e tristeza silenciosa por tudo o que divide os homens. Nunca lhe vi cinismo, sarcasmo – coisas que os homens intrinsecamente bons não reconhecem, nem em si nem nos outros.

Também não perdia tempo, nem desperdiçava talentos, não deitava fora as dádivas de Deus: oferecia, fazia, conhecia, lia, partilhava. Até ao último folego. E desafiava. Desafiava a fazer, a dar, a ler, a conhecer, a partilhar. “Sabem porque é que os países da África subsariana se desenvolveram mais tarde do que os países do Norte de África?” Foi a última vez que estivemos juntos. Fizemos mais de dez tentativas mas ninguém acertou. “Vou convidar o Paulo Portas e o Jaime Nogueira Pinto para jantar e descobrir se eles sabem”.

O padre António era Igreja. A Igreja do Papa Francisco, do Papa Bento XVI, a Igreja das periferias, da amizade com Jesus, a Igreja que procura Cristo em todas as coisas, que é intransigente na procura do bem e implacável com o mal. Uma Igreja de esperança e sábia; humilde em Cristo; fiel à tradição e ao rigor da sua História.

Dizia o padre António que só precisava de 15 minutos para se habituar a uma nova morada; pois nós aqui em baixo vamos precisar de muito mais tempo para nos habituar à sua nova morada.