Enquanto diretor da companhia teatromosca, já me deparei algumas vezes com situações onde teria de comentar a “descentralização” nas políticas culturais e a existência de “companhias periféricas”. Ainda que não seja fácil aceitar estes “rótulos”, percebo a importância de debater os temas. É para contornar estas mesmas ideologias que, desde 2015, o teatromosca organiza o festival de artes performativas MUSCARIUM, em Sintra.

No trabalho que fazemos, na nossa visão, Sintra é o nosso centro, pelo que não nos sentimos periféricos. Embora estejamos orientados para a intervenção artística neste concelho, acreditamos que Sintra pode e deve constituir-se como centro de irradiação cultural para todo o país, afirmando-se o teatromosca como uma estrutura capaz de servir o circuito artístico nacional e internacional, procurando a diversidade de públicos, de ligações artísticas e de produção e de estratégias de implantação. O MUSCARIUM procura trazer para este centro um conjunto de artistas, companhias e coletivos com quem nos fomos cruzando noutros centros, ou outros que admirávamos, ou que pretendíamos que pudessem estar acessíveis para os públicos sintrenses e de fora do concelho.

Contudo, faz sentido lançar uma reflexão séria sobre o tema da descentralização no nosso país, não apenas na área da Cultura, mas noutros pontos igualmente determinantes da nossa sociedade – e que possuem uma importante influência na forma como se pode ter acesso a diferentes obras artísticas. Bastará atravessar as portagens à saída de Lisboa, em direção ao norte, ao sul, ao interior, e tomaremos conta, rapidamente, das desigualdades que se vão agravando a cada quilómetro percorrido. Falamos de desigualdades, de falta de oportunidades, de privilégios que se vão perdendo à medida que nos vamos afastando da capital. Será então isso de que se fala quando se quer falar do centro e da descentralização. Na área metropolitana de Lisboa é mais fácil deslocarmo-nos para qualquer lado para assistir a um espetáculo de teatro. À Quinta Nova da Assunção, em Belas, ou à Casa da Cultura Lívio de Morais, em Mira Sintra, locais onde decorrem os espetáculos das diferentes artes performativas, só vão aqueles que têm viatura própria e que estão na disposição de partir à aventura, na busca de alguma placa que identifique um destes espaços.

É difícil, hoje em dia, em quase todas as nações, ignorar o ideal de uma “cultura para todos” que aparece inscrito em quase todos os programas políticos, tendo esta afirmação ganho uma espécie de estatuto de norma. Contudo, para lá das belas palavras de circunstância, a grande maioria das iniciativas culturais de relevo continua a ter lugar em Lisboa e no Porto, é cada vez mais agreste a tarefa de criar uma companhia de teatro ou dança fora destes dois grandes centros urbanos, há cada vez menos oportunidades para jovens artistas que queiram desenvolver os seus trabalhos no interior do país, a circulação de obras artísticas produzidas fora de Lisboa ou Porto é feita, geralmente, às custas de grandes sacrifícios para aqueles que as criaram. É também por isso que apostamos numa programação cada vez mais diversificada, abrindo espaço para aqueles que, muito dificilmente, conseguem fazer circular as suas obras, ou acolhendo espetáculos de artistas que não passam regularmente por Sintra, ou programando companhias e coletivos nacionais e internacionais que não têm sido incluídos nos programas de teatros de Lisboa e Porto. E, de ano para ano, vamos diversificando também os locais de apresentação, espalhando as atividades por boa parte do concelho de Sintra, indo ao encontro das pessoas, procurando, verdadeiramente, promover um acesso cada vez mais democratizado à Cultura. Acreditamos que poderá também ser esse um dos principais papéis desta iniciativa que, simultaneamente, abre a temporada teatral da companhia e assinala o arranque da programação anual do AMAS – Auditório Municipal António Silva, na cidade de Agualva-Cacém que, para nós, é o centro e não a periferia.

Sintra, setembro de 2019

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