1 O Jornalismo, tal como a Democracia, estão sob ataque desde há vários anos. Por forças populistas, pelas redes sociais mas também por uma parte da classe política que prefere uma comunicação social fraca e controlada, a jornalistas independentes que façam o seu trabalho.

E que trabalho é esse? O jornalismo de referência tem várias facetas e objetivos mas há um que é essencial e sem o qual não existiria jornalismo:

  • o escrutíno dos titulares de cargos políticos
  • o escrutínio dos restantes poderes públicos

Ao fim e ao cabo, o escrutínio dos três poderes da República, inscritos na Constituição:

  • o poder executivo
  • o poder legislativo
  • e o poder judicial

O equilíbrio entre estes poderes constitucionais é o ponto crucial nos sistemas democráticos. Ao exercermos o seu escrutínio, ao escrutinar estes três poderes, nós jornalistas, estamos a contribuir para um reforço do equilíbrio dos poderes estruturantes das democracias.

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2 Porque fazemos esse escrutínio? Fazemo-lo em nome dos cidadãos, fazemo-lo como representantes da Opinião Pública.

E para que serve o Jornalismo? Serve para informar os cidadãos sobre a atividade dos poderes públicos. Serve para que os cidadãos formem a sua opinião sobre a condução da coisa pública.

Serve para que os cidadãos formem a sua opinião sobre se os titulares de cargos públicos e políticos estão, de facto, a conduzir os negócios públicos de acordo com o interesse da comunidade, de acordo com o interesse público.

E aqui, há noções fundamentais como integridade, transparência ou a boa gestão dos dinheiros públicos.

Ou seja, se a democracia representativa pressupõe que cidadãos são representados pelos titulares de cargos políticos, então há vários pontos desse trade off:

  • o representante que vai gerir o dinheiro tem de ser honesto e íntegro;
  • que não promova o desvio de funções, não se aproveite do cargo e não decida contra a lei…

3 É o que Montesquieu classificava da “virtude” — aquela “que está na origem da República”. O léxico é diferente do atual, como é natural, mas a ideia é a mesma. Ou seja, a virtude a que nos referimos não é um conceito moral. Nada disso.

É uma virtude política, uma virtude da coerência de que os representantes da comunidade que aprovam a lei a sintam e a respeitem como os cidadãos representados.

É por isso que a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, os direitos que legitimam a existência do Jornalismo, são direitos essenciais para que uma Democracia seja de facto uma Democracia.

Sem o escrutínio independente, desinteressado, plural e privado do Jornalismo, os titulares de cargos públicos e políticos nunca serão verdadeiramente interpelados e fiscalizados pela Opinião Pública.

É também por tudo isto que a nossa Constituição, como genericamente todas as constituições de países democráticos, assegura a liberdade e a independência perante o Poder Político e Económico e garante o acesso livre às fontes para que os jornalistas exerçam o seu trabalho de escrutínio.

São estas regras básicas — e outras — que regem o meu trabalho ao fim de mais de 23 anos de carreira profissional.

Mesmo assim, uma parte da classe política portuguesa continua sem perceber o plano.

PS — É uma suspeita antiga: há políticos que não aprendem. No caso concreto, não aprenderam com José Sócrates que atacar o mensageiro (um jornalista) não é uma brilhante ideia política. Pelo contrário, vira-se contra o político que ataca. José Mendes é claramente um desses casos, como se pode ler no DN. O ex-secretário de Estado de Mobilidade de António Costa ainda não leu o meu novo livro “O Governador” mas já me condenou por “presunção”, “coragem publicitária” e, imagine-se o crime de lesa pátria!, de me ocupar “do marketing” do livro. Devo dizer a José Mendes que está enganado: o melhor divulgador da obra foi o próprio primeiro-ministro António Costa, com as suas ameaças de processos judiciais.