“É preciso mudar qualquer coisa para que tudo fique na mesma”
Giuseppe Tomaso de Lampedusa, Il Gattopardo

Tem sido repetidamente dito por Tiago Oliveira, presidente da Agência para Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), que é preciso “mudar a paisagem”. O governo tem assumido esse objectivo, mas lá nos vai avisando que esta leva 15 anos a mudar. Contudo, dadas as controvérsias, atrasos, desleixo, etc., com novo episódio esta semana na sequência da avaliação do Tribunal de Contas aos Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios, é forçoso questionar: será que a paisagem vai mesmo mudar?

Comecemos por tentar entender o que se prevê ser tal mudança: com a chamada Reforma Florestal, aprovaram-se um conjunto de diplomas que aprofundaram a legislação já existente desde 2006, a tal que como diz o Primeiro Ministro, nunca foi cumprida, e a complementaram com medidas também há muito previstas ou já em curso (limpezas, associativismo, cadastro, etc.) ou com mão pesada (multas a dobrar). Insistir no mesmo, portanto. Ora da Lei das Sesmarias no séc XIV, passando pelas Ordenações Manuelinas no séc. XV, Lei das Árvores no séc. XVI, até ao Regime Florestal no inicio do séc. XX, são séculos e séculos de proibições, multas, impostos, imposições, expropriações, etc., sem qualquer resultado. O que não se conseguiu fazer em séculos, dizem-nos agora que levará uma duzia de anos.

Acredita nisto? Eu não.

Mais grave, mesmo que fosse exequível, de que adiantava? Lamentavelmente de muito pouco. Limpar bermas de estradas ou a envolvente de habitações na verdade não muda a paisagem. Quanto muito, pode criar uma infraestrutura para travar incêndios. Mas se não mexemos na paisagem onde, como tragicamente sabemos, se desenvolvem incêndios monstruosos, de que vão servir estreitas faixas, quando em 2017, por três vezes, nem o rio Tejo foi suficiente? Muito dinheiro desperdiçado para quando o fogo chegar não se dar por elas – o que, aliás, a realidade já se ocupou de demonstrar este ano com o incêndio de Vila de Rei.

Significa isto que a paisagem não vai mudar? Não. Ela já está a mudar, independentemente da nossa vontade. Eu sei que é coisa que, por vezes, os nossos políticos parecem ignorar, mas… a vegetação cresce! Consequentemente a paisagem vai mudando, muda é para pior. Isto é facilmente comprovável com uma visita às áreas ardidas de 2017. Nesse fatídico ano, uma imensa área foi consumida pelo fogo. Hoje, o verde vai despontando das negras cinzas. As urzes, carquejas, giestas, silvas, fetos vão-se desenvolvendo pelo meio de eucaliptos, acácias, medronheiros, pinheiros ou carvalhos numa mistura caótica, típica de grande parte do nosso espaço florestal, votado ao abandono. A paisagem tem mudado sozinha. E porque se deixa evoluir livremente, vai mudando no sentido de um novo “barril de pólvora” à espera de uma faísca para voltar a explodir.

Já havia sido assim após 2003-2005. A calamidade de 2017 foi o resultado. E insistimos – todos nós, não se apontem as culpas ao governo A ou B – em medidas sobre o acessório, esquecendo o essencial: mudamos para que tudo fique na mesma. Pelo que o resultado só pode ser o mesmo: nova tragédia.

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