Feche os olhos e imagine um mundo em que todos os titulares de cargos públicos estão obrigados a declarar a sua filiação a organizações que exijam aos seus aderentes a prestação de promessas de fidelidade ou que, pelo seu secretismo, não assegurem a plena transparência sobre a participação dos associados. Abra os olhos. Agora, volte a fechá-los e imagine um mundo em que tal obrigação não existe. Reparou na diferença? Exato, não existe.

Sim, é verdade. Exigir uma declaração nos termos propostos pelo PSD e pelo PAN é, de facto, um exercício inútil sem qualquer consequência prática óbvia que não, talvez, a institucionalização de um voyeurismo encapotado que vê, na transparência burocrática, a panaceia para todos os males da democracia.

Uma democracia saudável deve respirar transparência, mas transparência que se sinta ser exigida pela vox populi e não pela vontade do legislador popularucho de colocar os governantes a viver em casas de vidro, por mero prazer de ver.

Gostava de poder conhecer os fundamentos que levam a que se sucumba a teorias conspiracionistas e se exija conhecer alguns interesses ou hobbies de quem nos governa. Mas o único argumento que foi sendo disparado é o clássico (mas pobre) “quem não deve não teme”.

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Esta justificação sob forma de brocardo popular não é nada mais do que uma preguiçosa tentativa da inversão do ónus justificativo, demonstrativa de um vazio justificativo. Eu não tenho de prestar todas as informações que me pedem só porque não devo nada a ninguém. Na verdade, é exatamente o contrário. Se eu não devo nada a ninguém, não tenho de me preocupar em mostrar que assim é.

É igual com os nossos governantes: se tomarem decisões que visam prosseguir o interesse público – ninguém quer saber que organizações insólitas frequentam nos seus tempos livres nem se lhes devia exigir que connosco partilhassem as suas taras e manias.

Se não existe um motivo universal que justifique que queiramos conhecer as filiações dos titulares dos cargos públicos, então que não se lhes exija tal divulgação. Se existir um motivo político concreto que justifique que se exija conhecer as filiações de um específico governante – por exemplo, se ele se afasta da prossecução do bem comum, que se exponham em praça pública os factos, e deixe-se a democracia baseada na dialética e na informação funcionar. Se os motivos são criminais, então tal declaração é um meio de investigação inútil e ocioso, que deve ser substituído pela competência e pela atribuição de meios de combate à corrupção.

No fundo, a ideia é simples: se estamos perante informações que a demo exige conhecer (ou deveria exigir conhecer) para tomar as suas decisões em democracia, então os candidatos a estes cargos sentirão necessidade de prestar as informações que lhe são exigidas ou os seus adversários deverão fazê-los sentir essa necessidade. Se assim for, a declaração será redundante porque tais informações serão já do conhecimento público.

Se a declaração se exige com base na ideia preconcebida (e, portanto, preconceituosa) de que em causa estão associações criminosas, então também esta declaração é inútil. Se as instituições são criminosas, trate-se de as investigar em condições. Também neste caso existem já meios suficientes para o efeito – e esta declaração não ajudará em nada.

Feche os olhos. Se esta declaração é inútil, faz sentido obrigar alguém a preenchê-la?