A capacidade de lidar com situações de maneira criativa é um dos principais aspetos que diferenciam os humanos de outras criaturas do reino animal. Toda esta criatividade tem sido direcionada para fatores externos a si próprio. A ciência, a religião, os valores morais e éticos, a economia, a tecnologia são exemplos disso mesmo. Tratam-se de brilhantes invenções que permitiram, até aos dias de hoje, fazer face às progressivas necessidades do ser humano.

Este ilimitado potencial de criatividade tem vindo, no entanto, a adquirir contornos cada vez mais preocupantes, marcados por um ritmo de desenvolvimento e de crescimento civilizacional progressivamente mais rápido e insustentável.

A abundância e o imediatismo tornaram-se nas novas necessidades do século XXI. Necessidades estas que começam a colidir com necessidades biológicas do próprio ser humano, conduzindo-o a estados emocionais negativos que, mantidos no tempo, geram perturbações mentais com impacto direto e indireto a nível pessoal e social.

Fazer face àquelas necessidades implica ultrapassar em larga escala os limites físicos, mentais, psicológicos e comportamentais do ser humano. No fundo, tudo aquilo que o define. A convivência diária e progressiva com máquinas em detrimento do convívio social e/ou a perspetiva de maquinização do ser humano, são exemplos da via autodestrutiva que o ser humano está a adotar.

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Atingido este ponto, é hora de redirecionar o foco. Depois de séculos focados no desenvolvimento do conhecimento externo, que ameaça a nossa existência enquanto seres HUMANOS, urge agora desenvolver o conhecimento interno. Isto é, o desenvolvimento da autoconsciência, da autorresponsabilização e do autodesenvolvimento.

Trata-se de um convite à reflexão individual sobre a própria conduta, os próprios desafios, as próprias necessidades emocionais, o próprio percurso de vida, enfim todas as realidades não palpáveis, visando o aperfeiçoamento da própria existência.

Iniciar este percurso é contrariar conscientemente o imediatismo e a abundância do século XXI. Alavancar a sociedade a níveis de consciência mais elevados é um processo moroso que implica uma responsabilidade partilhada entre cidadãos e governantes. É inegável, o poder que a dimensão mental tem no percurso evolutivo da nossa sociedade, se por um lado ela é responsável por magnificas descobertas, ela também é responsável por terríveis conflitos. Neste sentido, a integração progressiva da espiritualidade no modo de vida das pessoas poderá ser a chave para um maior equilíbrio psicológico que permitirá amenizar situações conflituosas ao incidir o seu foco na busca de um sentido mais profundo da própria identidade.

O seu enraizamento, porém, exigirá uma via de expressão, isto é, uma aplicabilidade prática por intermédio de necessidades intemporais da sociedade. Uma dessas necessidades é a saúde.
As terapias alternativas são conhecidas por estabelecerem uma forte relação entre as dimensões mentais, físicas e espirituais do ser humano. Uma vez iniciado o percurso de autodesenvolvimento, seja por intermédio de terapias alternativas ou outra via, dificilmente ele é abandonado por vontade própria dada a subtileza com que se instala.

Nesta ótica, e dado que as instituições de saúde são geridas e reguladas por figuras de autoridade, urge que estas reconheçam a importância que a espiritualidade pode exercer na sociedade ao atuar como um impulsionador de novos hábitos comportamentais, mais saudáveis e humanistas.

Considerar estas “novas” abordagens no âmbito da saúde sem desprezar o conhecimento depurado ao longo de séculos, é também sinónimo de desenvolvimento. Por outro lado, em plena Era de Globalização faz todo o sentido que se comece igualmente a depurar práticas e conhecimentos milenares de outras culturas viabilizando pontos de maior convergência e tolerância face à diversidade cultural.

Sabe-se que uma considerável percentagem da população de países desenvolvidos já recorreu a terapias alternativas. Deste modo, figuras de autoridade com capacidade para tomada de decisões que influem no modo de vida das pessoas, não podem continuar a fechar os olhos a esta realidade e ignorar um grito de mudança que não mostra sinais de se querer calar.

A parca investigação científica no âmbito destas abordagens holísticas da saúde, não deve portanto ser encarada como uma limitação à sua prática mas antes como um desafio. Assim, a sua introdução em Unidades de Saúde Públicas se por um lado permite uma adequada monitorização do impacto físico que poderá causar, viabilizando deste modo um maior número de estudos; por outro lado, permite dar maior ênfase à componente mental, que permanece fortemente desvalorizada, e naturalmente à dimensão espiritual que, num mundo tão materialista como o de hoje em que os apelos ao consumo levam tantas pessoas a confundir estilos de vida com vida, se apresenta com um grande potencial para o encontro da realização do potencial de cada um.

Mestrado em Enfermagem. Discente do Curso de Mestrado em Medicina da Faculdade de Medicina de Lisboa