Portugal vive, por causa da pandemia, aquela que será a maior e mais abrupta crise económica dos últimos cem anos.

Neste contexto, é dever do Estado central e de todas as formas de representação democrática de proximidade (a saber: municípios e freguesias) mobilizarem os seus orçamentos, desviando verbas ainda por gastar, provisionadas, reservadas e acumuladas de superávites de anos anteriores na gigantesca tarefa de auxiliar as famílias e empresas locais que se encontram em dificuldades perante esta inesperada adversidade.

Em particular, e porque vivo numa Junta de Freguesia de Lisboa que, praticamente desde a agregação de freguesias de 2012, acumula excedentes orçamentais. O estranho fenómeno deve-se a um cruzamento de factores que passam desde a falta de capacidade de execução, pelo adiamento e cancelamento de projectos de investimento, até um estilo de gestão de financeira com a sofisticação de uma mercearia de província (sem desprimor para as mesmas). Este triste cruzamento explica estes superávites orçamentais crónicos (praticamente desde a fusão de freguesias e multiplicação exponencial do seu orçamento em 2013) que, em 2020 e 2021 ainda aumentaram mais a pretexto (pelo menos desta vez minimamente justificável) de “cancelamentos por causa da pandemia”.

É preciso ter em conta que estes orçamentos são o produto de dinheiros públicos provenientes dos nossos (pesados) impostos. E este acumular crónico de orçamentos não executados não é normal. Assim como não é normal, a exibição desta acumulação nos meios da Junta (cuja impressão e distribuição custou, em 2020, 16 mil euros. Pelo menos aqui, em “comunicação”, não falta imaginação para gastar dinheiro…). Esta é exibição que se lê, em grande destaque, na primeira página do “Boletim Informativo” da Junta de Freguesia do Areeiro: “Eu e o meu executivo somos muitas vezes apelidados de demasiado poupados. Tentam nos atacar falando em contas com ‘superavit'”;  e noutro número do Boletim, também pela caneta do mesmo presidente de Junta: “Margem orçamental, por vezes considerada excessiva.”

Quero que fique claro: prefiro excedente (ainda que sendo crónico, seja um abuso) a défice (crónico ou não), mas questiono se com tantas necessidades económicas provocadas pela pandemia e pela existência, no Areeiro, de uma das demografias mais envelhecidas de Lisboa não é possível encontrar imaginação e competência para executar cabalmente todos os orçamentos ou se, na ausência dos dois, não é mais correcto devolver à CML e ao Estado central os dinheiros dos nossos impostos que a Junta, manifestamente, é incapaz de gastar?

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