Há setecentos anos, o filósofo inglês William of Ockham enunciou uma máxima, conhecida como “a lâmina de Ockham”, que faz parte do património da sabedoria ocidental. Diz essa máxima que não se devem multiplicar desnecessariamente (além do necessário) as entidades – isto é, não se deve complicar o que pode ser simples, a pluralidade não deve ser posta sem necessidade.

A eleição de 4 de Outubro revelou a insatisfação dos cidadãos com as propostas apresentadas: 43% abstiveram-se, 2% votaram em branco e os restantes recusaram dar maioria absoluta a qualquer partido ou coligação eleitoral. O resultado do voto liberta os partidos dos respectivos compromissos  pré-eleitorais e cria-lhes a obrigação de encontrar, rapidamente, um compromisso de governo – que será necessariamente diferente das propostas individuais submetidas pelos partidos a sufrágio e que deverá representar, na sua composição, um equilíbrio entre pontos de vista maioritários na sociedade. Os deputados eleitos têm agora o dever de negociar um acordo que garanta o governo do país durante a próxima legislatura, abdicando humildemente de posições radicais que possam constituir obstáculo a um entendimento razoável e estável.

Olhando para o mapa da nova Assembleia da República resulta numericamente evidente que:

a) São possíveis maiorias de centro-esquerda ou de esquerda mas não de direita.

b) A maioria absoluta no hemiciclo exige coligações de governo (com 2, 3 ou mais partidos).

É aqui que entra em jogo a lâmina de Ockham. A procura de um acordo de governo deveria logicamente começar pela solução mais simples, isto é, aquela que garante a maioria absoluta com apenas dois partidos. Ora, olhando para os números, verifica-se que só uma combinação de dois partidos é possível.

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Pode-se objectar que há maiorias aritméticas que não correspondem a uma maioria politicamente consistente. Pois bem, qual é neste momento a questão política fundamental, aquela que condiciona quase todas as políticas públicas que por sua vez condicionam a vida dos cidadãos? É, sem sombra de dúvidas, a questão europeia. Ora os únicos partidos capazes de formar uma maioria absoluta no parlamento a dois são, exactamente, os mesmos dois únicos partidos que, desde a sua fundação, têm promovido com convicção e constância o projecto europeu. Todos os restantes partidos com assento parlamentar ou continuam a ser contra a Europa ou converteram-se tardiamente e com duvidosa convicção a este projecto. Portanto, os dois partidos aritmeticamente capazes de produzir um governo estável são os mesmos que apresentam a máxima afinidade relativamente à principal questão política da actualidade.

À lâmina, deputados ! Por favor não compliquem desnecessariamente a vossa vida – e a nossa.

Ex-presidente da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos