Bruxelas é hoje sinónimo de um monstro tecnocrata numa União Europeia dirigida por políticos que combatem o populismo com regras que fingem aplicar.

Todos os que não apoiam este Governo como quem é do Benfica, Sporting ou Porto sabem que estamos muito longe de estar a cumprir a disciplina orçamental com garantias duradouras. Os alertas são vários. Mas aquilo que seria seguido com  atenção, no passado, pela Comissão Europeia, é hoje olimpicamente ignorado.

Há duas regras muito simples neste jogo, uma interna e outra externa. A primeira, no relacionamento com a União Europeia, é bem ilustrada na afirmação que António Costa fez sobre a Itália quando, no início de Outubro, sugeriu aos italianos que seguissem a estratégia orçamental portuguesa. Mas qual é ela?

Nas relações com as instâncias europeias que são supostas avaliar o cumprimento das regras, a regra é: Portugal finge que cumpre e Bruxelas finge que acredita que Portugal cumpre, fechando os olhos, os ouvidos e a boca a tudo quanto seja evidência de que se pode estar a criar um problema a médio e longo prazo. Os tecnocratas esperam com certeza não estar lá naquele sítio se ou quando os problemas vierem ao de cima.

Em segundo lugar, internamente, a aliança com o PCP e o Bloco de Esquerda deu ao Governo PS a possibilidade política de usar o estratagema de cativar despesa de forma histórica e congelar investimento público, controlando desta forma o resultado final do défice público. Porque é que outros governos e ministros das Finanças não fizeram o mesmo? Eram menos inteligentes que Centeno? Não. Os outros nunca tiveram o apoio do PCP e do BE, partidos que hoje que fecham ostensivamente os olhos a todos os problemas de falta de dinheiro e de investimento nos serviços públicos. Mais uma vez tal como Bruxelas não querem ver, nem ouvir, nem falar. Na mesma linha do “finge que revertes a austeridade que eu finjo que acredito”.

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António Costa e, por maioria de razão, Mário Centeno, sabem que este caminho tem um limite que não é o céu. Há um limite para apertar o cinto da despesa sem que os serviços públicos comecem a implodir de tal forma que é impossível fingir que não está a acontecer. Há um limite para ir adiando o investimento público argumentando que nada estava preparado, culpa do anterior Governo. Há um limite para ser levado pelo vento do crescimento europeu, porque ele não dura para sempre.

É uma estratégia arriscada, a de António Costa, que coloca o país em risco de colapsar, financeiramente, mais uma vez, assim que a economia começar a entrar no ciclo de crise. Porque é que desvalorizamos esse risco? Porque António Costa enveredou igualmente, em 2015, por uma estratégia arriscada de formação de um governo minoritário com o inédito apoio do PCP e o BE. Poucos foram os que acreditaram que chegaria até ao fim da legislatura, mesmo que agora alguns digam que o perceberam. Parecia uma tarefa impossível mas foi possível.

Tendo sido viável fazer uma legislatura com o apoio da esquerda, parece mais fácil controlar as finanças públicas. Mas não é. Aquilo a que assistimos até agora foi ao aproveitamento da margem deixada pelos anos da troika, aliada à vontade do PCP de reconquistar poderes que estavam sob ameaça, designadamente no universo sindical.

Quando não houver nada para distribuir, quando já não for possível disfarçar que os impostos globais não baixam mas estão apenas a ser distribuídos de forma diferente, quando atingir objectivos do défice público exigir medidas impopulares, o entendimento torna-se bastante mais difícil. E já nem estamos a falar das medidas impopulares que todos sabem que têm de ser tomadas, como por exemplo na segurança social, e que estão a ser adiadas.

Bruxelas também terá um limite para o seu fingimento, o tal fingimento que indirectamente António Costa recomendou aos italianos que copiassem. Mas Bruxelas não tem apenas um problema de contas com Itália, parece querer também, através das contas, combater os partidos que tomaram o poder em Roma. Um erro brutal que corre o risco de alimentar ainda mais os nacionalismos e os partidos que se quer tirar do poder.

Por todos estes motivos, a estratégia de António Costa dos últimos quase quatro anos não pode ser replicada por mais quatro. Para continuar no poder com sucesso e sem perder o capital de credibilidade que ganhou, António Costa precisa de ter uma maioria absoluta. Para fazer o que precisa de fazer, para evitar um novo colapso financeiro do país.