Há dois anos, recebi um diagnóstico de uma perturbação de personalidade. O que é que eu faço com isto?, pensei. Já estava a ser seguida por um psicólogo há alguns meses. Até então, não sabia que isto existia. Não sabia que era um problema. Nem sequer me identificava particularmente com a coisa. Gerou-se uma discussão breve na consulta: “Isto não sou eu. Eu não tenho uma perturbação, não é possível”. O psicólogo começa calmamente a indicar alguns sintomas. Devagarinho, consciente da delicadeza do momento. A seguir, encaixa alguns dos sintomas em comportamentos meus do passado. Só aí é que consegui perceber a realidade da situação. “Eu… Ahhh… Eu tenho mesmo isto… Ahhhhh… E agora?”

Aqui chegados, e para facilitar a nossa conversa, vou passar a explicar alguns conceitos-base sobre perturbação de personalidade e sobre a minha perturbação em específico.

O que é, então, uma perturbação de personalidade? As perturbações de personalidade são padrões rígidos e duradouros acerca de si mesmo, dos outros e do mundo e que prejudicam o bom funcionamento da pessoa em todas as áreas da sua vida. Em termos simplificados, é como estar a viver dentro de uma bolha minúscula que afeta a perceção de tudo à nossa volta, muitas vezes para pior do que a realidade. Só que a pessoa em questão não sabe que a bolha existe, o “padrão” é normal para quem o vive. Além disso, por ser um padrão rígido, não é flexível, o que faz com que seja difícil uma pessoa adaptar-se à mudança dos outros e/ou de si próprio. Neste âmbito, há vários tipos de perturbações de personalidade: obsessivo-compulsiva, narcísica, dependente…

Perturbação de personalidade dependente. Ganhar o concurso da dependência implica preencher alguns dos sintomas, pelo menos três. Como o próprio nome indica, os sintomas da perturbação dependente estão relacionados com uma forte dependência dos outros para tomar decisões, uma elevada necessidade de aprovação e na dificuldade em expressar a sua própria vontade. A expressão “A Maria vai com todos” assenta aqui que nem uma luva, porque a Maria não toma decisões sozinha, apoia-se nos outros e segue essas decisões como se fossem suas.

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No meu caso, dependia de forma inconsciente de algumas pessoas da minha vida, familiares e amigos, para tomarem decisões por mim. Podia ser algo tão simples como escolher a roupa para um jantar ou, mais essencial, como despedir-me de um emprego. Era como se não fosse eu a decidir. A outra pessoa, alguém em quem eu confiava, dizia “devias fazer isto” e eu, sem pensar noutros fatores, tomava essa sugestão como definitiva. Fazia isto de forma inconsciente, o que significa que eu não me apercebia deste padrão e estava completamente alheia a este tipo de comportamento.

Na prática, a Maria é uma pessoa porreira, faz o que os outros mandam e adora ajudar toda a gente. Claro que todos temos um pouco desta “Maria” dentro de nós, é normal. No entanto, como raramente escolhe o que é o melhor para si, está presa às expectativas que os outros têm dela e acaba por se sentir sufocada. Esta não é uma vida particularmente agradável e fácil.

“Quão grave é uma perturbação de personalidade? É possível viver com isto a minha vida toda?” É grave, sim, a palavra perturbação não está associada a céus azuis e primavera. No meu saber, quem tenha uma perturbação semelhante, pode viver com este condicionamento a sua vida toda. A bolha minúscula que afeta a nossa perceção é real e é necessário investirmos tempo para lidar com ela. Num mundo perfeito e encantado estamos só nós e a bolha e tudo corre às mil maravilhas. No mundo real, a bolha está constantemente a levar pancada do mundo inconstante e desordeiro à sua volta. Pior ainda, como não sabemos que ela existe, achamos que as pessoas à nossa volta são incríveis e que somos os únicos a andar à deriva.

A psicoterapia foi o caminho que escolhi para lidar com a minha perturbação.

A seguir ao diagnóstico, surge um impulso de resolver o problema, de encontrar soluções rápidas. A terapia não funciona assim. As melhorias, os ganhos maiores vão acontecendo ao longo do tempo. Trabalhamos alguns conceitos na teoria e depois vemos como aplicá-los na prática. Receber o diagnóstico foi desconfortável, mas graças à terapia – já lá vão três anos de consultas semanais – estou a conseguir encontrar um caminho melhor.

No momento em que escrevo este texto, já não tenho esta perturbação. Lutei, quero dizer, trabalho todos os dias arduamente para fazer escolhas diferentes e encontrar um equilíbrio. Todavia, a dependência ainda é o meu porto seguro, é o caminho mais fácil e aquele que eu melhor conheço. Ainda está presente.

Nunca pensei que pudesse ter uma perturbação de personalidade. Não fazia parte dos meus planos, mas agora sei que pode tocar a qualquer um de nós. A mim aconteceu ser “a Maria vai com todos”.