Segundo o “Observador” e o “Expresso”, o Presidente da República não quer que a Marinha seja preterida na próxima nomeação para o cargo de Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas (CEMGFA).

Se isso viesse a verificar-se – acrescento eu — seria a segunda vez desde que, em 1994, foi assumido o procedimento de que o cargo rodaria entre os três ramos, começando o ciclo com a entrada em funções do Almirante Fuzeta da Ponte. Antes desse ano, o cargo pertenceu quase exclusivamente ao Exército. Houve apenas três exceções. Duas a favor da Força Aérea e uma da Marinha [1].

A primeira quebra do compromisso estabelecido em 1994 ocorreu vinte anos depois (2014), com a entrada do general Pina Monteiro, quando o lugar pertenceria à Marinha. Argumentou o Governo de então com a necessidade de ter a chefiar o EMGFA um oficial general do ramo que mais reformas teria que empreender. Parece, à primeira vista, uma ideia razoável mas, se refletirmos um pouco, é fácil ver que desvaloriza, de forma inaceitável – julgo eu –, a posição do respetivo CEM que é quem deve falar pelo ramo. Aliás, a ideia, como argumento, vale tanto como dizer exatamente o contrário, ou seja, que seria recomendável ter um CEMGFA de outro ramo, à partida mais liberto, mais independente e disponível para dinamizar mudanças. Mas o governo de então, com a concordância do Presidente da República, não viu o assunto desta forma. Assim começou este imbróglio.

A divulgação da posição do Presidente sobre este assunto não pode deixar de ser associada aos rumores de que o Governo se prepara para reconduzir o general Pina Monteiro, em fevereiro, por mais dois anos, malgrado não os possa completar por atingir o limite de idade a 1 de março de 2018, ou seja, cerca de onze meses antes do período de recondução se concluir. Esta decisão, no mínimo, adia a expectativa de ver um almirante a preencher o cargo de CEMGFA, como estava consagrado pelo consenso.

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O jornal “Expresso” resume a situação criada com esta decisão dizendo que o Presidente põe a Marinha em “banho-maria”. Não sei de quem é a expressão mas é, pelo menos — para não dizer outra coisa – infeliz. O que esta decisão faz é deixar a Marinha certamente muito desapontada pelo tratamento desigual a que volta a ser sujeita – digo eu, como observador, presentemente externo, mas conhecedor da instituição.

Diz o jornal que se trata de uma estratégia articulada pelo Governo com o Presidente. Aparentemente, a recondução de Pina Monteiro tem em vista evitar que o novo CEMGFA, que seria da Marinha, vá ocupar esse cargo apenas com dois meses de experiência como CEMA (assumiria este posto em dezembro deste ano e mudaria para o Restelo – EMGFA em fevereiro). Ficamos a saber que o Governo considera necessário que o CEMGFA tenha uma mais longa experiência como chefe de um dos ramos e que, aparentemente, o Presidente da República concorda ou não tem nada a objetar. Não sabemos, porém, qual será o período mínimo ou mesmo se há algum critério sobre este assunto. Não deve haver nenhum, arrisco eu afirmar.

Em qualquer caso, concorda-se que faz sentido que o universo preferencial de escolha do CEMGFA comece por ser o dos CEM dos ramos em funções, mas a lei não obriga a isso. O que esta diz é que o CEMGFA é nomeado de entre os almirantes, vice-almirantes, generais e tenentes-generais na situação de ativo. Não exige que tenha prévia experiência de comando de um Ramo, mas o Governo, como vimos acima, acha o contrário e para o conseguir não hesita em usar duplicidade de critério — reconduzindo o CEMGFA depois de a negar ao atual CEMA. Calculo que se dirá que o Governo está a seguir o que se costuma designar por “critério político”, uma expressão que se aplica bem ao caso em análise: usa-se quando não é possível explicar a lógica da decisão tomada e se pretende encerrar um assunto. Fica por saber se foi ponderado o que se está a pôr em causa com essa decisão, no futuro imediato e no futuro próximo.

No futuro imediato, está a pôr-se em causa a previsibilidade com que as organizações militares habitualmente contam para o seu funcionamento normal, embora sem prejuízo da capacidade de se adaptarem a situações singulares que requeiram medidas excecionais. Está alguma à vista? Há alguma reforma em curso que só o general Pina Monteiro esteja habilitado a completar? O que impede – numa situação como a atual, sem qualquer emergência à vista – que o atual processo de rendição dos chefes militares seja perfeitamente previsível, à luz dos códigos estabelecidos e funcione com toda a transparência e normalidade? Não há explicação possível.

No futuro próximo, a decisão tomada vai prolongar e agravar a situação de instabilidade que estes assuntos sempre geram. Em vez de durar dois meses irá demorar um ano, partindo do princípio que será, finalmente respeitado o critério de rotação e o então CEMA passará a CEMGFA. Esta solução coloca a Marinha sob uma chefia que vai durar um ano, ou seja, um terço do período normal, o que, obviamente, não é bom para o ramo, nem para o EMGFA.

Pior. É também uma decisão insólita e de desfecho incerto. Insólita porque passa da rotina de anunciar a nomeação com a antecedência mínima de um mês, que é o que a lei exige, para a antecedência de um ano. Um mês tem sido, geralmente, considerado como menos do que o necessário para o próximo chefe finalizar a sua preparação e familiarizar-se com os dossiers mais prementes. Dois a três meses é o período geralmente recomendado. Um ano é excessivo porque deixa “aberta a porta” a muitas variáveis que ninguém pode prever – muito menos controlar – e que, no final, podem determinar a procura de outra solução. Que se fará, então, nessa eventualidade? Escolhe-se um vice-almirante para o lugar de CEMGFA, sem a tal experiência de CEMA que hoje parece indispensável, ou não se cumpre a rotatividade mais uma vez, contra o procedimento acordado e recomendação do Presidente da República?

Não é bom para as Forças Armadas, consequentemente para o País, que, por conveniências políticas de ocasião, se deixem em suspenso por tanto tempo assuntos de que depende o regular funcionamento de uma instituição e que, os militares esperam ver solucionados rapidamente e de forma transparente. Não perceber que não deve ser assim é não cuidar da manutenção de um relacionamento político-militar positivo, algo que faz sempre falta.

[1] O registo disponível, que se inicia, em 1950 inclui, fora do Exército, apenas o contra-almirante Ortins de Bettencourt (1951/1955), o general da Força Aérea Venâncio Deslandes (1968/1972) e o general Lemos Ferreira (1984/1989), também da Força Aérea.

Vice-almirante na situação de Reforma