A primeira jornada já acabou, já se disputou um jogo da segunda e eu continuo sentado à espera de ver a selecção italiana a entrar em campo. Entre 32 participantes ninguém arranjou um lugarzinho para a Itália? Um wild card? Um convite do senhor Gianni Infantino pelos serviços prestados ao futebol mundial? Já não há respeito por um tetra-campeão. Um país que deu ao desporto o Catenaccio e Roberto Baggio, Alessandro del Piero e o Calciopoli não merecia uma consideraçãozinha dos órgãos dirigentes da FIFA, especialmente aptos a avaliar essa linha sinuosa e ténue que vai da beleza em campo à corrupção nos gabinetes?

Como é que seres humanos que, fora do futebol, são pessoas respeitáveis, com família e amigos, que levam as crianças de manhã à escola e à noite passeiam o bóbi pelas ruas e, com desvelo maternal e sentido cívico, até são capazes de recolher os dejectos do animal, podem dormir de consciência tranquila sabendo que nada fizeram para que a squadra azzurra estivesse presente na Rússia? Que mundo é este em que toda a gente se indigna com a situação dos refugiados e ninguém se condói do povo italiano, obrigado pela primeira vez desde a televisão a cores a ter de escolher uma selecção estrangeira para apoiar? E depois estranham a ascensão do populismo na Europa.

A Itália é um país que ama tanto o campeonato do mundo que criou dois avançados especialmente para o disputarem. Antes do Mundial de 82, “Paolo Rossi” era apenas nome de código para um esquema de apostas ilegais. Não acreditem se lerem em algum lado que não era assim, não acreditem se vos disserem que jogava na Juventus. Já Salvatore Schillaci foi um ectoplasma que se materializou durante um mês naquele Verão quente de 1990. Os colegas não o conheciam, os jornalistas nunca tinham ouvido falar dele, os adeptos aplaudiam-no desconfiados. A exemplo de Rossi, também dizem que jogava na Juventus (estão a perceber o esquema?). Após o Mundial, Totò, como as vítimas da ‘Ndrangheta, nunca mais foi visto.

A Itália não foi só o berço do Renascimento, de Leonardo e Miguel Ângelo e Bernini, de Ticiano Tintoretto e Caravaggio, de Verdi, Puccini  e Rossini, de Pavese, Moravia e Calvino (o outro), de Fellini, Pasolini e Leone. O conjunto impressiona, mas digam lá se não ficam com pele de galinha ao ouvir isto: Zoff, Zenga, Tacconi, Pagliuca, Bucci, Toldo, Peruzzi e Buffon? E ainda só vou nos guarda-redes. Depois, só dos que vi jogar: Conti, Altobelli, Baggio, Vialli, del Piero, Donadoni, Giannini, Vieri, Zola (o outro), Signori, Totti. O melhor guardei para o fim: os defesas. Só uma civilização superior poderia ter engendrado defesas tão elegantes, tão amáveis quanto Baresi, Bergomi, Costacurta, Ferri, Nesta e, príncipe dos príncipes, Maldini.

Quando, após o Mundial de 2006, a FIFA quis premiar um italiano com o maior galardão individual, escolheu um defesa, Fabio Cannavaro. A quantidade de aristocratas da defesa é tão grande que até lhes perdoamos esses brutos insuperáveis que eram Materazzi (nome com o seu quê de homicida) e Gentile (que não o podia ser menos), açougueiros como Torricelli ou Gattuso, que batiam como o sol das quatro da tarde, e avançados irritantes como Filippo Inzaghi ou Daniele Massaro. Duas das imagens que fazem parte da iconografia dos mundiais são dos festejos de um trinco (Tardelli) e de um lateral-esquerdo (Grosso) italianos. Pois é: em Itália só os defesas são felizes.

Enquanto adepto, autorizo a FIFA a mandar para casa qualquer país nórdico, antes que façam algum arranjinho, e a repescar a Itália, nem que seja para um joguinho a feijões, nem que seja às duas da manhã em Níjni Novgorod, só para que os nossos descendentes um dia não nos acusem de os termos privado de ver a bella Italia naquele Mundial da Rússia.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR