Tive o enorme privilégio de trabalhar e aprender muito – menos do que devia – com Vasco Pulido Valente na fase em que foi director-adjunto no Independente, na versão broadsheet, em 1996, numa última tentativa para competir com o Expresso. Por razões que a razão desconhece – na altura, o semanário vendia nas bancas mais de 40 mil exemplares – foi uma experiência infelizmente curta.

Por estes dias, muitos têm escrito sobre a genialidade e o brilhantismo de Vasco Pulido Valente enquanto historiador, escritor e cronista, mas até agora não li quem o lembrasse como jornalista, que também o foi, desde os tempos da revista O Tempo e o Modo de Alçada Baptista, ao semanário O Independente de Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas, influenciando várias gerações de profissionais da comunicação social.

Tentávamos imitar, sem sucesso, a forma e o estilo com que escrevia, tão diferente do português pomposo e cheio de “implementações” de outros jornais, mas alguma coisa se terá aproveitado. Tive a sorte de ser um desses jornalistas, quando editei o Internacional do Independente – e surpreendeu-me desde o início a abertura, a alegria e a energia para trabalhar com os mais novos. A porta do seu gabinete estava sempre aberta, era o primeiro a chegar e o último a sair.

Lembro-me de se sentar ao meu lado a editar os textos do Internacional e de nos rirmos – ou de eu me rir com os comentários que fazia de alguns disparates ou ingenuidades escritas nos textos dos estagiários da altura. De, numa noite de fecho, me dar um raspanete amigável por o ter deixado sozinho à frente do meu computador enquanto atendia noutra secretária um telefonema do meu Pai.

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Lembro-me que uma chefe da altura berrava muito e de me dizer para não ligar e fazer como ele: “Quando elas berram, entra-me por um ouvido e sai pelo outro”. E de me perguntar, quando entrava no gabinete dele, “então ó Mascarenhas, o que temos esta semana de Estrangeiros?” – como chamava ao Internacional.

Lembro-me de me dizer que nós não líamos nada na minha geração e de eu lhe responder, atrevido, que gostava muito de ler, que tinha lido há uns tempos o Guerra e Paz – e de ele me fazer perguntas sobre o livro e de resmungar que não tinha lido nada, o que eu me lembrava era do que tinha visto no filme.

Lembro-me de me ter enviado para a Bósnia com a Céu Guarda para acompanhar as actividades de paz dos militares portugueses no pós-guerra e de delirar com o relato de um jogo de futebol deles com uma equipa de bósnios, que quase acabou à pancadaria, com muitos insultos à mistura.

Lembro-me de me ter dito que tinha de ser eu a ir para São Tomé e Príncipe, quando houve um célebre golpe dos subtenentes. De ficar radiante por lhe dizer ao telefone que tinha entrevistado o subtenente Craque, o líder dos revoltosos – e que o antigo basquetebolista de olhos vermelhos me tinha desenhado numa folha da Filofax o esquema de como tinham organizado o cerco ao palácio presidencial: “Mascarenhas, tem de mandar isso já, faça uma cópia e envie por fax, já.”

Lembro-me de me oferecer um livro do Naipaul e de me dizer que eu “devia era ser repórter, tente escrever como ele”.

Lembro-me da imensa paciência com que nos aturava e de muitas outras coisas que não posso ou não devo contar, porque ele não iria gostar.

Lembro-me de nos termos reencontrado mais tarde, na TVI e na Atlântico, onde com imensa generosidade, por intermédio do Rui Ramos, chegou a inventar um jogo para testar a ignorância alheia, mas lembro-me sobretudo de como me defendeu como jornalista quando foi preciso.

Muito obrigado, foi uma enorme honra, Director.