O Estado foi assumindo tantas funções, muitas delas bem simpáticas e, porventura, úteis que corremos o risco de esquecer o essencial: o Estado existe para garantir a segurança dos cidadãos.

E o mesmo tem vindo a acontecer com a União Europeia. De tanto se preocupar com o tamanho das maçãs, com a dimensão dos carapaus ou, ainda, com a duração dos cursos das nossas universidades, acabou por esquecer, por descurar, a razão por que nasceu: garantir a paz.

Assim, quando hoje, por razões sobretudo demagógicas, se diz que a Europa está em guerra devemos refletir sobre como aqui chegámos.

O islamismo revolucionário ocupa o espaço que já foi de Carlos Magno e de Carlos V: o coração da Europa e dos seus valores. Uma Europa que, infelizmente, já lutou muito entre si, mas que, ainda assim, soube sempre construir pontes para a paz e o bem-estar dos seus cidadãos.

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A verdade é que fomos pouco a pouco criando um Estado maternal (para usar expressão do professor José Manuel Moreira). Um Estado focado no dia-a-dia do indivíduo, no seu bem-estar material, muitas vezes nas suas frivolidades, mas esquecendo a raiz da liberdade: a segurança.

Querendo construir um paraíso na terra, fomos deixando morrer o Leviatã (que Hobbes tão bem identificou para por fim, precisamente, às guerras religiosas do século XVII). O dito estado islâmico cresce no estado de natureza dos territórios da Síria e do Iraque, mas é do vazio espiritual e do niilismo de valores que se alimentam os fundamentalismos na Europa.

Criámos cidades com belas obras arquitectónicas, museus, centros para exposições, mas deixamos o verdadeiro espaço urbano abandonado às novas tribos identitárias e aos seus respetivos chefes fanatizados. Ou seja, também as cidades e os seus responsáveis descuraram o cerne da sua missão. Esqueceram-se que a sua principal tarefa é não deixar que o medo crie guetos ou favelas, mais pobres ou mais chiques (como são muitos dos os condomínios privados), onde a segurança seja deixada ao cuidado de cada tribo ou clã.

Como se viu em Bruxelas, no passado dia 22. Como se tinha visto em Madrid, Londres ou Paris, entre muitas outras cidades por esse mundo fora (a última parece ter sido Lahore), não há cosmopolitismo ou coexistência pacífica que nos salve. Não podemos, para usar a metáfora de Churchill a propósito da mesma Europa e do sua política de apaziguamento com Hitler, continuar a alimentar o crocodilo na esperança de ser o último a ser comido.

Disse, recentemente o nosso Presidente da República, a propósito de Portugal, que ser um país pacífico não significa ser um país indefeso. Ora esta deve ser a atitude da Europa: estar preparada, não desprezar a sua defesa, a sua segurança. A Europa deve estar pronta, alerta, porque pode, infelizmente, voltar acontecer.

É preciso não esquecer que a Europa já viveu com o seu terrorismo ideológico nos anos setenta e oitenta do século passado. Será conveniente não esquecer os milhares de mortos causados pelo IRA, a ETA, as Brigadas Vermelhas ou ainda a Fracção do Exército Vermelho (Baader Meinhof), apenas para lembrar os exemplos mais significativos. Muitos intelectuais europeus, inclusive, foram defensores do terrorismo, como Jean Paul Sartre, a propósito da FLN na Argélia ou Regis Debray a propósito da guerrilha de Che Guevara na Bolívia.

A Europa, essa, sempre sobreviveu e soube reerguer-se.

Por outo lado, são muitas vezes os próprios europeus que, com os seus complexos do fardo do homem branco, se anulam para dar lugar à intolerância e à barbárie. Não temos de pedir desculpa ao mundo pela liberdade, democracia e solidariedade, valores que a Europa acabou por lhe legar.

E se no passado foi o mundo que se abriu à Europa, hoje é a Europa que se abre ao mundo. Essa abertura ao outro, ao diferente, ao mais próximo ou longínquo, que Locke e Voltaire definiram por tolerância, não pode porém, significa submissão ou aniquilamento da nossa história, cultura, tradições, bem como do nosso lastro religioso. Tanto mais que, como dizia Jaime Cortesão, na sua obra magistral sobre os Descobrimentos, os homens e os povos descobrem-se uns aos outros. E mais do que isso, descobrem pouco a pouco o denominador comum de humanidade que os une.

Mas após tanta cimeira, grupo de trabalho ou de reflexão, por que parece estar ainda tudo por fazer? Que falta, por exemplo, para transformar a Europol num verdadeiro FBI europeu? Se criámos um Banco Central Europeu, porque não uma polícia de investigação europeia? Parece, sobretudo, faltar determinação e coragem política para enfrentar uma nova ameaça que é claramente supranacional.

Por hora é crítico que cada um saiba exercer eficazmente o seu papel. É urgente que todos usem melhor as instituições, os recursos e a informação já existentes. Temos de habituar-nos e conseguir enfrentar a nova realidade. Afinal de contas já passaram quase 15 anos desde do 11 de Setembro de 2001.

Em suma, contra o medo nas nossas cidades, nos nossos Estados, temos de voltar a defender a Europa de Petrarca, Shakespeare, Holderlin e Pessoa, mas também a Europa das nossas ruas, das nossas praças, dos nossos cafés (Steiner).

As ruas não podem ser apenas sinónimo de protesto inconsequente. Os nossos cafés, as nossas ruas, o metropolitano, os aeroportos, têm de ser o espaço permanente de afirmação da nossa humanidade. É a violação dessa humanidade que se encontra em causa em cada novo ataque terrorista. O terrorismo mina a moralidade. Não há justificação para a morte, muito menos para a morte de inocentes.

Afinal esta é a nossa Europa!

Professor universitário