O pacote ‘Mais Habitação’ apresentado pelo governo põe em evidência uma característica pessoal de António Costa e a nu a ideologia política do actual PS. Talvez por estar farto de governar, o primeiro-ministro apresentou medidas polémicas cuja aplicação depende dos municípios. Tanto o arrendamento coercivo como o futuro do alojamento local ficam a cargo das autarquias. Claro está que António Costa dá o mote: se um autarca (Carlos Moedas e Rui Moreira na mira) não aplicar as soluções do governo é porque dá preferência ao AL e aos prédios devolutos em detrimento da possibilidade dos portugueses terem acesso a casas a preços ao alcance dos seus ordenados. Veja-se o truque simples de alguém que governa o país há 7 anos e meio (90 meses) e chuta para canto como se as reversões na lei do arrendamento, a falta de investimento na construção pública, a burocracia na obtenção dos licenciamentos e a política de baixos salários derivados numa aposta desmesurada no consumo como motor económico nada tivessem a ver com os seus governos, que já são três.

Com esta tentativa de lavar as mãos, António Costa procura colocar-se na posição do presidente da República: sem poderes para decidir, estabelece objectivos, traça metas, aponta soluções cuja concretização desconhece porque não lhe interessa. O que lhe importa é apenas e tão só dizer que apontou soluções esquecendo que é chefe de governo e o principal responsável. Não é o primeiro socialista a seguir esta técnica. Pedro Nuno Santos fez o mesmo no aeroporto de Lisboa com uma solução estapafúrdia para depois se ir embora na expectativa de, no futuro, poder dizer que, ao menos, ele tinha uma resposta para o problema.

O não ser responsável por nada é a característica pessoal de António Costa. Já quanto à ideologia política do actual PS, esta reflecte-se em três aspectos essenciais e que voltam a ser visíveis no pacote ‘Mais Habitação’. Nos termos da proposta do governo, os municípios poderão determinar a não atribuição de mais licenças para apartamentos. À primeira vista a resposta parece equilibrada, mas esconde a realidade concreta do que é um negócio. A não atribuição de mais licenças significa um mercado fechado que divide os que estão dentro dos que ficam de fora e gostavam de entrar. Há uma discriminação entre cidadãos que não é normal num mercado livre nem deveria ser possível numa sociedade aberta e num estado de direito. Por outro lado, impossibilita o crescimento dos negócios existentes. E neste ponto concreto a medida reflecte muito bem uma forma de pensar socialista que se traduz no se achar no direito de decidir o que é melhor para as pessoas, no saber qual é a dimensão aceitável (a palavra neutra é ‘razoável’) para um negócio. Para quê explorar dois apartamentos em AL se o pequeno empresário já tem um? Porquê crescer, porquê aumentar as receitas, porquê querer ganhar mais, porquê essa necessidade de se expandir? Porquê esta vontade indómita na mudança, no desenvolvimento, na supressão das dificuldades, porquê este gosto natural por construir algo seu? Veja-se que este impedimento é para os pequenos empresários, não para as grandes cadeias de hotéis. O socialismo privilegia os grandes grupos económicos porque estes são mais facilmente controláveis; milhares de cidadãos, completamente independentes entre si e relativamente ao governo, já são indomáveis.

Este é o primeiro aspecto revelador da ideologia socialista. O segundo está na possibilidade que António Costa concede aos detendores de um AL não terem a sua licença revogada se estiverem a pagar a hipoteca do imóvel ao banco. Ou seja, ter uma dívida é uma vantagem. Um empresário que pagou a sua dívida ao banco, juntou capital que poderia investir noutro imóvel ou noutro negócio qualquer, esse empresário é castigado. Esse empresário não é contemplado. Esse empresário deve desaparecer. Quando perguntarem por que motivo a economia portuguesa não cresce, como é que a Roménia nos apanhou em PIB per capita, a resposta está aqui: na falta de capital, no incentivo ao endividamento. Não há mal nenhum em dever dinheiro ao banco, mas a discriminação entre quem deve e quem pagou já não é normal num mercado livre nem deveria ser possível numa sociedade aberta e num estado de direito.

Por fim, o terceiro aspecto que revela bem a ideologia do Partido Socialista. Este é o partido político que pune os privados por terem medo de colocar os seus imóveis num mercado de arrendamento regulado por uma lei que pune quem coloca os seus imóveis no mercado de arrendamento. Parece kafkiano e é porque não há escapatória possível. Quem detém imóveis comete o pecado capital de ter património. Só pode ser um explorador, alguém infame que pensa no lucro e expulsa inquilinos na primeira oportunidade. O aumento dos preços da habitação resulta da chegada do mercado global ao nosso país. Foi algo que tardou, mas que era inevitável. O problema é que esse mercado global chocou de frente com uma lei de arrendamento antiquada, pouco flexível e que não favorece inquilinos nem senhorios, processos de licenciamento caducos e uma economia baseada em salários baixos porque António Costa, que é primeiro-ministro há 7 anos e meio (90 meses), considerou ser mais fácil governar um povo sossegado que um país com perspectiva de futuro.

Esta é a nova traição do PS. Depois de ter assinado o pacto com a troika e em seguida fugido às responsabilidades, o Partido Socialista prepara-se para tirar o tapete aos milhares de portugueses que em 2011 perderam o emprego, se fizeram à vida, abriram os seus negócios, criaram postos de trabalho, incentivaram o turismo, ajudaram o governo a ter “contas certas” para serem descartados à primeira conveniência. Quando governou o Reino Unido, Margaret Thatcher disse que gostaria que os britânicos recuperassem o que chamou de ‘a new independence of spirit and zest for achievement’, o entusiamo por conseguirem algo de que se pudessem orgulhar. Esse é o motor de uma sociedade livre e independente, de um país próspero e forte. António Costa quis um Portugal sossegado e tranquilo que não provocasse ondas. Para isso terá de abater os negócios dos que se entusiasmaram julgando ser possível fazer diferente. Se não for travado ainda vem a terreiro dizer que foi bem-sucedido.

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