Talvez muitos como eu tenham ficado surpreendidos com o discurso do toureiro português conhecido como Pedrito de Portugal sobre os direitos dos animais. Em entrevista ao Expresso, o toureiro, que também já tencionou ser presidente da câmara municipal de Alcanena, afirma que “para haver direitos tem de haver deveres e os animais não têm deveres. A partir daí, os direitos são questionáveis”.
Igualar direitos e deveres, ou fazer depender uma coisa da outra, parece ser um discurso perigoso quando o tema são os animais. A tourada, que é aquilo que quiserem que seja, tem em Portugal um inegável contexto social e cultural, baseado essencialmente nas tradições. Discutir-se se se deve ou não admitir as touradas, ou se os cidadãos devem ou não poder assistir a este “triste” – opinião pessoal – espectáculo é incutir uma política que não está de acordo com a liberdade individual de cada um. Eu não gosto de futebol, não o vejo. Tão simples como isto.
Porém, o tema que incendeia quase sempre a sociedade portuguesa, para além do futebol e do ministro Galamba, é o dos direitos dos animais e as touradas.
Na óptica do toureiro e ex putativo candidato à presidência da Câmara Municipal de Alcanena, os animais, não tendo deveres, é questionável que tenham os direitos.
Poder-se-á dizer que aquele que não paga IRS não tem direito ao estado social, ou mesmo que a criança, até ser adulto, não tem direitos?
Será isto que o toureiro quis dizer ?
Uma afirmação não pensada como a que foi proferida por Pedrito de Portugal não nos pode deixar descansados sobre como muitos toureiros tratam o tema. É de relembrar os factos ocorridos entre dezembro de 2019 e fevereiro de 2020, em Monforte, onde o cavaleiro tauromáquico João Moura foi detido pela GNR, no dia 19 de fevereiro de 2020, por suspeitas de maus-tratos a animais, na sequência do cumprimento de um mandado de busca à sua propriedade, naquele concelho, tendo então sido apreendidos 18 cães. O cavaleiro teria sido acusado de um total de 18 crimes, 17 deles de maus-tratos a animais de companhia e um de maus-tratos a animais de companhia agravado.
O que o matador de touros nos quer transmitir é simples. Não há necessidade alguma de a lei conferir alguma proteção jurídica a animais pela razão de os mesmos não terem deveres e, assim, não devem possuir esse direito e segurança jurídicos, ou seja, nem será preciso qualquer legislação com a consequente pena para quem possa tratar mal os animais.
Este pensamento, meramente retrógrado, mas livre, talvez seja algum trauma vindo de 2003, onde o matador de touros foi condenado a pagar 100 mil euros por ter violado o regulamento tauromáquico português que proíbe a morte de touro na arena, com uma exceção incompreensível em Barrancos, aprovada em 2002.
A praça de touros da Moita, onde Pedrito de Portugal cometeu o ilícito, acolheu em julho de 2006 um festival a favor do toureiro para o ajudar a pagar a multa.
Questionar os direitos dos animais pela ausência dos seus deveres é um retrocesso civilizacional atroz que nos deve assustar. Não pelo pensamento em si, mas pela força pessoal que se quer imprimir ao tema, levando a uma justificativa que foi aplaudida pelos seus pares sem qualquer questionamento racional.
Quero com isto dizer que afirmar o que se afirmou não é só perigoso, é também socialmente revoltante e totalmente reprovável.
Justificar o gosto pelos touros de morte alegando que os animais não têm direitos porque não têm deveres é algo de novo em todo este contexto que deve ser debatido até à exaustão para que se possa de alguma forma assumir uma sociedade mais civilizada, afastando de uma vez, a ideia que se quer transmitir de que os animais não têm direitos.
E houve um dia em que Pedrito de Portugal acordou e quis ser candidato a uma câmara municipal.