Trabalhar há quase 20 anos com crianças com Perturbação de Hiperatividade/Défice de Atenção (PHDA) – e com as suas famílias – permite-me acompanhar os seus desafios e a capacidade de adaptação, os seus sucessos e dificuldades, procurando neste percurso de tentativas e erro fazer parte da solução.

E se o tempo de aulas, com os desafios inerentes e a terrível crónica falta de tempo é sempre um tema nas nossas consultas, o tempo de férias não é isento de desafios e questões. Não é por estarmos de férias que “devemos fazer as coisas de qualquer maneira”. Estabelecer rotinas antecipadas é fundamental. Rotinas de leitura, de exercício físico e de sono, por exemplo, são fundamentais.

Privilegiar o tempo de diálogo para conhecer melhor as crianças e as suas opiniões sobre vários assuntos, envolvê-las nas decisões e desenvolver parcerias, é uma das melhores formas de promover a cooperação. Estes laços fortalecidos serão muito proveitosos durante todo o ano.

Também os momentos dedicados à leitura devem ser incentivados. É frequente que crianças e adolescentes com PHDA tenham dificuldades de aprendizagem e resistência em manter tarefas de leitura e escrita. Este período do ano, é fundamental para incentivar a leitura de novas obras, promover a leitura conjunta, investigar temas do interesse da criança e os livros que lhes estão relacionados.

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De realçar os cuidados que devemos ter com o uso indiscriminado dos equipamentos eletrónicos em períodos de férias, o que será um risco, em muitos casos, se as rotinas não forem antecipadas e programadas.

Uma questão que surge habitualmente é se devemos interromper ou manter a medicação. É frequente a associação entre medicar e a expectativa de estabilizar o funcionamento da criança nas atividades escolares. Nada mais errado. Nas formas moderadas a graves será de ponderar a sua manutenção em períodos de férias. Nesta ponderação pesará, por um lado, a vantagem em evitar algum possível efeito lateral da medicação – como acontece com a diminuição do apetite, em algumas crianças – e, por outro lado, as desvantagens da suspensão para a capacidade de adaptação da criança a diferentes contextos, a sua estabilidade emocional e o impacto familiar.

Para que serve, afinal, a medicação? Para além do controlo dos sintomas centrais da perturbação, como o défice de atenção, a agitação e a impulsividade, a terapêutica farmacológica desempenha um papel estabilizador na regulação emocional e melhora o comportamento de adaptação da criança nos mais diversos contextos, favorecendo as suas interações sociais e familiares.

Vários estudos apontam que a dificuldade na regulação emocional em crianças com PHDA é muito superior à da população geral, contribuindo para a disfunção atribuída a esta complexa perturbação.

Por último, uma nota em relação às famílias. Não esperamos que as férias sejam felizes se os níveis de stress familiar forem demasiadamente elevados. Se bem que ter as crianças em casa ou organizar uma viagem em família possa sempre aumentar os níveis de adrenalina dos pais, níveis exagerados de stress parental podem potenciar o desenvolvimento de uma parentalidade disfuncional, que pode atuar como fator de risco no aparecimento, amplificação e manutenção dos sintomas da PHDA, levando a um ciclo vicioso com consequências negativas, tanto no desenvolvimento da criança como no funcionamento familiar. Desta forma, toda a dinâmica familiar deve ser tida em conta, na hora de decidir interromper ou não a medicação, em período de férias.

Um período de tempo com menos obrigações e mais tempo livre poderá representar uma excelente oportunidade para reavaliar a evolução conseguida até ao momento, estabelecer prioridades, desenvolver novas estratégias,combinar objetivos para o ano seguinte – e, sobretudo, para que as famílias apreciem a singularidade das suas crianças e o seu enorme potencial.