Se querem perceber Rui Rio, olhem para Pedro Sanchez em Espanha. Há cerca de um ano, a única questão era saber quando acabava o PSOE, porque Sanchez já tinha acabado. Mas Sanchez voltou à liderança do partido, e há umas semanas, lá fez a sua “geringonça” parlamentar para chegar ao governo. Ainda ninguém faz ideia de como vai governar com os inimigos do Estado espanhol, mas pouco importa: a verdade é que, nos últimos dias, o PSOE começou a recuperar nas sondagens. Nem Lázaro se levantou tão depressa como o PSOE no governo.

Rio julga que pode ser o Sanchez do PSD. Tal como Sanchez,  tem uma só resposta para todos os problemas: o regresso ao governo. Não lhe parece haver outra maneira de sobreviver politicamente. Mas o seu caminho é tão torto como as linhas pelas quais Deus era suposto escrever antigamente. Por exemplo, Rio não pode correr o risco de ganhar as próximas eleições: é até possível argumentar que precisa mesmo de as perder.

Reparem: se o PSD por acaso ganhasse em 2019, mas sem maioria absoluta com o CDS, estaria novamente condenado à oposição, porque é sabido que o PS nunca aceitará qualquer transação com o PSD se não for o primeiro partido. Se o PSD vencesse, António Costa continuaria provavelmente a governar como desde 2015, com o PCP e o BE. O que importa a Rio, por isso, não é ganhar, mas apenas dispôr dos deputados suficientes para fazer maioria parlamentar com o PS.

Não chega, claro. O PSD de Rio precisa ainda de parecer muito mais dócil, contido e sossegado do que o BE ou o PCP, o que, tendo em conta esta legislatura, não é fácil. É que só assim os líderes do PS poderão justificar uma troca de parceiros. Daí, a zanga de Rio com os deputados que votaram com o CDS, contra a vontade do governo, o fim do adicional ao imposto sobre os combustíveis.

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Esqueçam, por favor, a cansada questão ideológica. Quando tem de falar sobre os grandes assuntos, Rio diz o que todos os líderes do PSD disseram. Não é mais social democrata nem menos liberal. A questão não é essa. A questão é de mero expediente político. O actual presidente do PSD — tal como Sanchez em Espanha e, antes de Sanchez, Costa em Portugal — não consegue imaginar outra vitamina para o seu partido senão o poder do Estado. Mas não vê outra maneira de reaver esse poder senão neutralizando o PSD como oposição ao PS. É este o grande paradoxo da sua estratégia: nunca o PSD esteve tão desesperado para “ir ao pote”, e nunca confiou tanto nos pezinhos de lã para lá chegar. Talvez se possa dizer que esta é também a maneira de actuar de um partido regional, com uma liderança provinciana, crente, como qualquer autarca, que a salvação consiste em ser um dos favoritos no telemóvel do ministro.

As consequências desta manobra são imprevisíveis. No melhor cenário, Rui Rio reintroduzirá o PSD na área do governo. No pior cenário, poderá induzir a abstenção e as transferência de voto suficientes para uma mais alargada maioria de esquerda e para alterar a correlação de forças entre PSD e CDS (o CDS não precisa de ultrapassar o PSD para isso).

Mas acima de tudo, o que este PSD está a fazer é esta coisa dramática: privar o país de uma oposição. A oposição existe para tornar a governação mais exigente, e para proporcionar aos cidadãos, dentro do regime, uma alternativa. A estratégia de Rio não nega apenas ao regime as vantagens da oposição. Nega também clareza à luta política, reduzindo-a a actos e ditos contraditórios, a guerrilhas obscuras de bastidores, e a especulações infindáveis sobre cenários.

É óbvio que Rio não criou sozinho estas circunstâncias: apenas se adaptou a elas da pior maneira. Antes de 2015, os eleitores, bem ou mal, estavam convencidos de que escolhiam os governos ao dar a vitória a um partido. A manobra parlamentar de Costa, em 2015, pôs termo a isso. No entanto, ainda poderia ter correspondido a uma nova clareza, no sentido de uma bipolarização entre um bloco de partidos da direita e um bloco de partidos da esquerda. António Costa não quis, e Rui Rio também não quer. Há muito tempo que a política em Portugal não era tão opaca e incerta, isto é, tão pouco democrática. Porque a democracia, antes de outras coisas, é transparência e perceptibilidade.