O orçamento de estado para 2018, mesmo depois de retificado pela esquerda, é manifestamente insuficiente para as necessidades da saúde dos Portugueses. Apesar do aparente aumento de dotação para os seus programas, há uma descida da verba destinada ao SNS. As medidas de contenção de despesa que estão inscritas no relatório do OE e as do próprio texto legal aprovado são nebulosas e incertas na forma e no resultado previsto. Comissões e Grupos de Estudo, Trabalho, etc., não irão faltar. Nada de novo. Mas a verdade é que os aumentos de dotação previstos serão devorados pela inflação e pelo crescimento do custo do trabalho. No final do ano, não cobrirão as necessidades urgentes em renovação de equipamentos, obras de construção e manutenção, nem permitirão a continuação de angariação de pessoal de todas as profissões necessárias e, a exemplo do que já aconteceu este ano, limitarão o crescimento do número de novas unidades de saúde familiar e de lugares em cuidados continuados, nomeadamente onde eles são mais necessários, no ambulatório, saúde mental e grandes centros urbanos. Neste último caso, louvem-se as iniciativas da Santa Casa da Misericórdia em Lisboa, e de tantas outras associações e empresas dispersas pelo País, que vão investindo e, mesmo sem os poderem tolerar, aceitando atrasos nos pagamentos que lhes são devidos pelo Governo.

Foi-se a taxa do sal que era complexa, insuficiente e difícil de aplicar. Foi substituída por uma medida bem mais interessante que passa pela obrigatoriedade de se definirem limites aceitáveis de sal adicionado a alimentos confecionados. Ainda não foi desta que tivemos rótulos “semafóricos” nos alimentos. Esperemos que o pão venha a ter limites mais baixos ao sal adicionado.

Melhorou-se o imposto dos refrigerantes que, para ser eficaz, deveria incluir bebidas com edulcorantes mas que, apesar de tudo, foi atualizado para efeitos de escalonamento e encorajamento à redução de açúcar na formulação das bebidas. Resta saber se esta taxa, feitas as contas no fim do ano, teve um ganho fiscal significativo ou se conduziu a uma diminuição da venda de refrigerantes açucarados. As duas coisas, retorno fiscal aumentado e diminuição de consumo, são incompatíveis na lógica de taxas Pigot. Tudo o que se tem escrito sobre o êxito da medida e a redução de umas toneladas de açúcar consumido, à exceção de umas declarações do Secretário de Estado Adjunto do MS, são pura especulação apresentada sobre a forma de cálculos hipotéticos ou apenas fantasia. Não sabemos se houve real redução do consumo de açúcar pela população, já que as fontes são diversificadas, e ainda é muito cedo, teremos de esperar 10 ou mais anos, para avaliar o impacto desta medida na obesidade. Mais difícil ainda para avaliar o impacto na redução da diabetes tipo 2.

No álcool, lá continuaremos à espera que o vinho pague taxas iguais às outras bebidas alcoólicas, incluindo o IVA que é neutro para efeitos de exportação. A esquerda também bebe e muito, pelos vistos, em linha com o consumo da população que não para de aumentar, em especial o do vinho. Pode parecer bom para a economia, mas não é. Vendendo mais em Portugal, exporta-se menos e contribui-se mais para a degradação da saúde dos Portugueses.

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Tenho defendido que a existência de um imposto que incida sobre o consumidor, o IVA, deve ser a base da modelação de consumos por via fiscal, pelo que, para lá de impostos específicos que garantam coleta para o Estado e possam influenciar a composição dos produtos – caso do conteúdo de açúcar nos refrigerantes ou do sal adicionado a alimentos embalados -, dever-se-ia procurar um incidência máxima de IVA, eventualmente por um 4º escalão, que deveria ser compensado por uma redução do valor mínimo de IVA cobrado sobre os alimentos essenciais.

No tabaco, apesar de ter havido aumento de imposto, deveria ter sido bem maior e em ambas as taxas, a específica e a ad valorem. O objetivo de taxar o tabaco deve ser mesmo a eliminação do tabagismo e não a coleta fiscal. Se do aumento da taxa resultar mais contrabando, aumente-se a fiscalização e apliquem-se penas mais gravosas e dissuasoras. Entretanto, as medidas mais importantes, depois do passo civilizacional que foi a proibição de fumar em locais de uso público, ainda estão todas por tomar. O Governo foi copiosamente derrotado na AR, quando tentou alterar, extemporaneamente e sem preparação política prévia, a Lei do Tabaco.

A melhor notícia está na limitação de cativações ao SNS e à DGS. Lá terá o Dr. Centeno de inventar uma outra forma, a que não chamará “cativação”, de vedar o acesso da saúde às verbas de que dispõe. Há muitas, mas a mais simples e corrente é fazer com que os pedidos se arrastem nas secretárias e gavetas de assessores, secretários e Governantes. Nem precisa de pedir nada de novo. O Ministério das Finanças está cheio de especialistas em “engonhar”. São os resistentes da máquina administrativa que servem para todos e tudo. Dão muito jeito. No fim de cada ano, feitas as contas ao défice, lá deixam sair uns dinheiros para tapar uns buracos de dívida, pagar contas de remédios em atraso e compor a imagem. Não faz mal porque no ano seguinte, em 2018 será ainda pior, a dívida irá crescer e crescerá sempre até que se tomem medidas de fundo e o financiamento do sistema de saúde seja comportável e adequado. Tem de ser as duas coisas, não chega ser pouco. É diferente ser comportável de ser insuficiente. Quanto mais insuficiente, menos adequado às necessidades previstas, maior será a dívida, o desgaste, a insatisfação de trabalhadores e utilizadores e a degradação do serviço prestado. A longo prazo, é sempre assim na indústria de serviços de que o SNS é exemplo, será mais caro e pior.

Para evitar este círculo de endividamento, degradação de serviços e promessas adiadas, falta discutir e reformular quase tudo. O SNS está baseado num modelo de 1979, desenhado sobre uma invenção proposta em 1943, que já não se enquadra no que é preciso para 2017. Não prevê os próximos 50 anos. A demografia mudou, a população pede mais e a tecnologia é outra. Há medicamentos e tratamentos melhores e mais caros. Estamos a viver mais e não podemos chegar a velhos tão doentes e excessivamente medicados. Há riscos emergentes que poderão, por exemplo, determinar uma falência global dos nossos antibióticos. E não deve haver alguém de boa fé que acredite numa solução Malthusiana para a redução da população por epidemias ou guerras.

A nossa constituição diz que o direito à proteção da saúde é universal, geral e tendencialmente gratuito, tendo em conta as condições sociais e económicas de cada um. Devidamente descodificada, universal, quer dizer que serve todos de igual forma e a nossa generosidade vai tão longe quanto assiste, sem contrapartidas, cidadãos de outros países. Podemos manter essa situação, certamente meritória, sem negociar contrapartidas, nomeadamente com os PALOP? Geral, é a presunção de que dá tudo a todos. Não dá, não pode dar e nunca poderia dar. O SNS não se pode atualizar instantaneamente, não tem de ter todas as opções possíveis e nem vai poder continuar a provisionar todo o tipo de serviços. Há vontade de assumir uma verdadeira e consequente avaliação de tecnologias da saúde, definir linhas de orientação impositivas e reguladoras, distinguir e financiar melhor as boas práticas, auditar, formar, orientar? Há a intenção de elaborar orçamentos plurianuais? Vamos ser capazes de definir zonas de intervenção prioritária? Os centros de referência vão ser limitados no seu número e financiados de acordo com a realidade dos gastos esperados? Vamos ter multiprofissionalismo e trabalho integrado no SNS? Tantas questões a que falta responder. E é tendencialmente gratuito porque é pago por uma minoria que sustenta a totalidade do sistema. Não podemos continuar a viver com um sistema fiscal que isenta metade dos seus cidadãos de parte das suas obrigações para com o Estado. Não podemos continuar com um SNS único prestador de quase tudo. Será necessário definir as áreas de intervenção exclusiva do Estado e abrir o acesso generalizado ao sector social e privado. Para quando os hospitais EPE serão verdadeiramente empresas? Para quando teremos uma ADSE que possa cobrir todos os que estejam dispostos a associar-se?

É urgente responder a tudo isto e devem ser estes os temas da grande discussão política em torno da Saúde em Portugal; a universalidade, a generalidade e a gratuitidade. Quanto, como, quando, de que forma, com que custo, a que preço? É sobre isto que se fala em toda a Europa e até no Reino Unido de onde copiámos o nosso SNS. Num contexto de aumento da esperança de vida, sem que os anos de vida saudável tenham acompanhado a longevidade, garantir a universalidade a todos os cidadãos e contribuintes estrangeiros residentes em Portugal, assegurar o acesso em tempo útil às tecnologias adequadas e com uma “gratuitidade” comportável é um imperativo nacional. Adiar a reforma do sistema de saúde português por questões de popularidade, eleitoralismo, teimosia ideológica ou simples preguiça é aceitar que o SNS será destruído. Cá está uma coisa bem mais útil para consumir o nosso tempo e as vontades políticas do que anunciar a mudança do INFARMED e tentar disfarçar o disparate como se tivesse sido só um “erro de comunicação”.