Um dia de aulas. O J., um aluno de 16 anos com insucessos repetidos no seu percurso escolar, virou-se para a professora e disse: A Professora é burra?

Naquele dia em Março de 2016, na turma do 9º ano de um percurso alternativo, os alunos deveriam estar a fazer exercícios a pares, mas, na realidade, estavam mesmo a fazer apostas nos jogos de futebol, via telemóvel. No dia-a-dia, na sala de aula, o professor deve sempre perceber quando é que é útil ter um confronto com os alunos.

Naquele dia, considerei que confrontar os alunos não teria utilidade prática e por isso ignorei a situação. No entanto, após a questão colocada pelo J., tive a necessidade de agir. Respondi que não era burra, e que o J. teria de sair. Perante esta minha ordem, o J., um aluno de 1,80 m, recusou sair.  Como é  dos regulamentos, o passo seguinte foi contactar a direção para tirar o aluno da sala. Para meu espanto, fui informada que o Diretor estava ocupado.

Numa situação de limite, temos de agir no limite. Foi o que fiz e como tenho poder de decisão telefonei para a polícia. Considero que não devo temer estar no meu posto de trabalho, nem deveria ser eu a entrar em confronto com um aluno.

A polícia chegou, foi ver a sala e foi buscar o Diretor para tirar o aluno da sala.

Apresentei queixa na Escola Segura e o processo seguiu para tribunal.

Mais tarde, uma colega perguntou-me por que razão tinha chamado a polícia ao que eu respondi que o tinha feito porque havia temido pela minha integridade física.

A escola abriu um processo de investigação do acontecimento e, na fase de instrução, fui surpreendida com a informação de que o aluno alegava que eu não lhe tinha emprestado a minha calculadora, material pessoal de trabalho. Obviamente, tratando-se de uma falácia, tive a oportunidade de referir que o aluno tinha um telemóvel melhor do que o meu, que a minha máquina tinha custado 150 euros e sobretudo que eu não podia confiar no aluno, como em nenhum outro, para lhe emprestar o meu material de trabalho.

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Em dezembro de 2016, recebi uma carta do tribunal a informar que o aluno foi condenado. A pena correspondia a trinta dias de trabalho comunitário, porque tinha idade superior a 16 anos.

Desde esse dia que, se um aluno não trabalha, comunico ao encarregado de educação via plataforma Inovar. Nunca mais obriguei ninguém a trabalhar e cada vez que um aluno não cumpre as regras em sala de aula, marco falta disciplinar, pode sair ou não, é decisão dele.

Mais tarde, vim a saber que o J. tinha sido internado com ferimentos por andar em brigas na rua. O aluno J. não tinha pai, mas tinha uma mãe que trabalhava e tentava dar o melhor ao filho, trabalhando mais de 12 horas por dia para ter condições económicas  para o filho poder estudar.

Esse dia foi um dia marcante para mim, percebi que  o professor só consegue ensinar quem quer aprender.