O PCP quer que os contratos iniciais de arrendamento sejam de pelo menos cinco anos.

Entender a origem desta proposta requer uma análise mais abrangente do tema verdadeiramente em questão: a ideologia marxista e o mecanismo de preços.

Já vivo em Lisboa há quase 11 anos e sempre arrendei casa. Apesar de poder comprar, até hoje e para mim, arrendar foi de longe a melhor opção. Sobre isso poderia falar e escrever muito, mas ficará para outros tempos.

Ao longo dos anos como inquilino já tive de tudo: senhorios muito maus e senhorios bons. Todos eles cobraram um preço pelo serviço que me prestaram. O que chamamos de “renda” não é nada mais que o preço de um serviço.

Este prazo de cinco anos proposto pelos comunistas limitaria as opções de arrendamento. Uma lei destas criaria um risco adicional ao senhorio, afastando-o de arrendar, e tornaria impossível eu viver onde já vivi. Nos melhores e piores lugares: nenhum senhorio que não me conhecesse bem me arrendaria por cinco anos de uma vez logo à primeira.

Mais: este prazo faria com que Lisboa retornasse, lenta e inexoravelmente, ao estado absolutamente destruído e decrépito em que se encontrava em 2011, quando o centro da cidade, com décadas de rendas tabeladas, era um antro de consumo de droga, prostituição e queda de paredes em ruínas.

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Onde hoje vivo, agora um “bom local” no centro de Lisboa, era uma rua que tinha outrora um único prédio em condições de habitabilidade: o meu. À volta, todos os outros estavam completamente destruídos. A queda de uma das suas paredes chegou a provocar a morte de um transeunte. Não é um exagero, caro leitor.

A malvada lei “neoliberal” de liberalização das rendas veio alterar tudo. Nesta ruazinha de uns 50 ou 100 metros foi renovada uma dezena de prédios, surgiram lojas, cabeleireiros, cafés, muitos apartamentos (e sim, de longa duração) e um único alojamento local. Hoje, aqui, há vida humana com todo o tipo de pessoas e negócios.

Nada existia antes da liberalização. Tudo existe após a liberalização.

Vivo cá há vários anos, com um senhorio tranquilo que nunca me teria arrendado o apartamento por cinco anos de uma vez. Nem ele nem um único senhorio anterior. Quem no seu perfeito juízo o faria? Coagido pela lei?

Pense o leitor no assunto. É proprietário de uma fracção num prédio de habitação. Assinaria um contrato de arrendamento por vários anos a algum desconhecido?

E se eu, arrendatário, quiser arrendar só por um ano, vão fazer o quê? Obrigar-me a ficar aqui? Criar passaportes internos, como os que existiam na União Soviética, impedindo-me de sair do município?

A Teoria do Valor-trabalho

Entender a origem desta proposta leva-nos a procurar os fundamentos da ideologia que a produz e sua relação com a economia. A forma como os comunistas vêem o processo de arrendar uma casa advém da forma mais abrangente de como eles pensam que o preço de um bem ou serviço é determinado.

Na ótica comunista o valor de algo advém da quantidade de trabalho socialmente empregue na sua criação. Logo, algo com muito trabalho vale mais do que algo com pouco trabalho.

É uma teoria fácil de vender a quem não entende de economia, uma vez que, à primeira, parece de facto ter mais valor aquilo em que trabalhamos muito tempo e com muito esforço. Os estudantes em particular gostam muito da mítica “teoria do valor do estudo”, em que quanto mais horas enfiam num trabalho ou a estudar, melhor nota pensam vir a ter.

A “teoria do valor-trabalho” teve em economia o mesmo papel de fundação base que a teoria geocêntrica teve na física, na medida em que igualmente “parece intuitivo” ao olhar para o céu que o Sol gira à volta da Terra.

Se o valor de algo advém do trabalho nele empregue, então pessoas como empresários, senhorios, etc. são puros extratores que se atravessam no caminho. O conceito de “mais-valia” de Karl Marx advém daí: o empresário, supostamente, extrai à força uma mais-valia do trabalhador através da sua exploração. E o mesmo se pensará dos senhorios. Em particular nas economias medievais ou de base agrícola parece claro que quanto mais se trabalha mais valor se obtém. E o nobre no seu castelo faz o quê realmente? Nada. Só extrai e oprime.

Esta teoria era a forma como os antigos viam a economia. E até Adam Smith, o “pai do capitalismo” no século XVIII, acreditava nela, chegando a apelidar os senhorios de expropriadores de produto. “Os latifundiários”, escreveu, “como todos os outros homens, gostam de colher onde nunca semearam e exigem uma renda até mesmo pelo produto natural da terra”.

Advém desta concepção a razão pela qual os comunistas concordam com tabelamentos de preços, apesar de nunca na história humana alguma vez terem funcionado.

A Teoria do Valor-utilidade

Contudo não devemos culpar os primeiros economistas, incluindo Smith, por pensarem assim. De todo. O conhecimento não é algo linear e a ciência, desde o plano mais teórico ao mais prático, evolui conforme mais se investiga e descobre.

Há uns 150 anos atrás, diversos economistas confrontaram-se com os imensos problemas e paradoxos que a antiga teoria do valor-trabalho tinha por resolver.

Um desses paradoxos é o da água e do diamante enunciado pelo mesmo Adam Smith na seguinte forma: “Não há nada de mais útil que a água, mas ela não pode quase nada comprar; dificilmente teria bens com os quais trocá-la. Um diamante, pelo contrário, quase não tem nenhum valor quanto ao seu uso, mas encontrará frequentemente uma grande quantidade de outros bens com o qual trocá-lo”.

Perante este e muitos outros paradoxos tornou-se crescente e ensurdecedora a constatação de que uma nova teoria do valor era necessária.

Na segunda metade do século XIX, em simultâneo mas separadamente (tal a evidência da sua descoberta!), os economistas William Stanley Jevons, Léon Walras e Carl Menger dedicaram-se ao estudo do problema e todos eles, de forma individual, produziram uma nova teoria económica: a “Teoria Subjetiva do Valor”. E esta foi a grande “Revolução Copérnica” em Economia (isto é, agora “a Terra gira à volta do Sol”).

Esta teoria estipula que o valor de troca é baseado em avaliações individuais da utilidade dos bens e serviços. O valor emerge das percepções subjetivas de utilidade e as pessoas produzem bens económicos porque os valorizam subjetivamente.

O valor em si é totalmente subjetivo, único a cada pessoa, e está interiorizado na mente de cada um. Entre duas camisas absolutamente iguais em tudo, exceto o logo de uma marca, eu posso valorizar muito mais uma marca que outra. A fábrica que as produz até pode ser a mesma para ambas, mas eu, subjetivamente, desejo a marca X em vez da marca Y. Logo pago mais valor por X em vez de Y.

Nas aulas de economia usamos valores fictícios para interiorizar o conceito (um simples pão dá 30 unidades de “utilidade”, já um bolo dá 100, etc), mas é absolutamente crucial entender que isto é uma simplificação matemática só para se entender o conceito. Quando compramos um bolo por gulodice não pensamos “hoje apetece-me obter 100 unidades de utilidade”. Não. Assumimos que os riscos para a saúde e o seu custo (em dinheiro ou outro bem em troca) valem subjetivamente menos que a felicidade momentânea de comer esse bolo.

Essa nova teoria também reverteu totalmente a relação entre custos de produção e os preços de mercado. Enquanto a teoria do valor-trabalho argumentava que os custos de produção determinavam os preços finais, a teoria subjetivista mostra antes que o valor dos custos (salários, por exemplo) é ele sim definido em função do preço potencial dos bens finais no mercado.

Em certo sentido, é exatamente o inverso da teoria do valor-trabalho. Na obsoleta teoria do valor-trabalho, o tempo de trabalho gasto determina o valor dos bens produzidos; na teoria subjetiva do valor, o valor de uso que as pessoas deles obtêm é que faz com que estejam dispostas a gastar trabalho (ou a pagar salários mais altos) para produzi-los.

Os mercados de capitais ampliam o valor do trabalho

A teoria subjetiva do valor diz assim que a razão pela qual as pessoas estão dispostas a gastar trabalho produzindo é a utilidade dos bens que os outros vêem neles. O capital, sendo uma forma de ampliar a produtividade, permite assim aumentar a quantidade de bens produzidos pelo trabalho. Logo a existência intensiva de capital, e um mercado de capitais livre para o transaccionar, realocando-o, amplia o valor do trabalho (salário) ao invés de o extrair.

Sociedades com elevada literacia financeira entendem isto.

Países como a Suécia – minha segunda casa – que na UE-27 estão no topo no recurso aos mercados de capitais, com isenção dos ganhos de mais valias em sede de IRS, pagam bons salários. Os seus vizinhos seguem políticas similares. E os sindicatos, na defesa dos seus associados, tudo fazem por ter fundos privados de pensão/investimento dividindo com as empresas a sua gestão.

Compreender a teoria do valor subjectivo, tal como na Física entender os passos matemáticos complexos que Einstein fez para chegar ao simplificado e=mc2, é muito mais dificil do que aderir ao geocentrismo da antiga teoria do valor-trabalho de Karl Marx. E da mesma forma que nem todos temos de ser Einsteins também nem todos temos de ser economistas.

Mas para ajudar o eleitor a entender melhor esta teoria, partilho um exemplo do quotidiano.

Como economista, achando irracional, verifico que muitos pais consistentemente atribuem à utilidade/felicidade do consumo dos seus filhos um valor muito superior ao seu próprio consumo. A razão disto ocorrer é porque esses pais, que em regra geral e por todos os indicadores e métricas, tiveram uma vida mais difícil e isolada que os filhos, valorizam subjetivamente a felicidade dos filhos de forma maior que a sua própria felicidade. O caso extremo é o dos nossos idosos que, apesar de viverem em pobreza e terem tido vidas muito difíceis, conseguem de forma milagrosa juntar autênticas fortunas para deixar aos filhos.

Voltando à proposta comunista para os contratos de arrendamento

Entender a teoria do valor, tal como a física e suas equações nos dão a conhecer o universo, permite-nos compreender grande parte do comportamento humano no seu dia a dia.

No fundo esta proposta do PCP demonstra a total falha da sua ideologia totalitária em se adaptar ou actualizar bem como, na realidade, resolver os problemas com que a sociedade se defronta.

Quando o próprio entendimento do problema (rendas/preços altos) está errado, então a solução sairá sempre mal. Porque, tal como toda a base filosófica desta ideologia (algo a falar em mais detalhe um dia), esta proposta assenta numa teoria já ultrapassada faz 150 anos.

Entender isto permite entender porque é que países com alta literacia financeira seguem menos políticas socialistas e aí até os partidos “socialistas” propõem reformas económicas liberais. Veja-se, por exemplo, que enquanto por cá se criou o imposto Mortágua, os nórdicos, incluindo o “BE” de lá, pugnam pela abolição dos impostos sobre a riqueza.

As teorias “intuitivas”, com os seus geocentrismos do “sol girar à volta da terra”, não são fáceis de vender a uma população realmente conhecedora e informada. Contudo, ao nível da nossa iliteracia financeira, a “cassete” comunista continuará a ser sempre a mesma apesar de se revelar cada vez mais incompatível com a realidade.

Por outras palavras: o aceitar do nosso mais actualizado entendimento da realidade implicaria deixar de ser comunista.