Amar é confiarmo-nos à experiência de não nos conformarmos com as nossas fronteiras e de nos entregarmos à diferença. É insistir em ver o mundo doutra maneira. É experimentar aquilo que se sente visto com outros olhos de ver. É viver dois mundos num só lugar. É tornar possível a eternidade numa fracção de segundo. O amor não é um sentimento. “Amo-te!” é, acima de tudo, uma declaração de compromisso. Pode o amor ser seguro se amar traz, sobretudo, o risco de duas diferenças se encontrarem num planalto diferente dos lugares de cada um? Não pode! Pode o amor não ser senão uma miragem se dois corações não fizerem de um desejo que se divide a ponte com que se ligam? Pois pode.

Seja como for, o desejo não é o impulso com que se parte para o amor mas a escolha que se faz depois de lá chegar. De certa maneira, o desejo é um reencontro! Mesmo quando, a propósito de uma estrela cadente ou dum alimento que se come pela primeira vez, num determinado ano, alguém nos sugere: “pede um desejo” (1; não 12…). E nos recomenda que não o digamos a ninguém sob pena dele não se concretizar. A ideia subjacente passa por reconhecermos que as pessoas que nos amam têm a obrigação de adivinhar os nossos desejos. Que o desejo sela o amor. Como se adivinharem um desejo o transformasse numa prova de amor. Como se alguém que o descortina e reconhece, por entre todas as nossas diferenças em relação a si, fizesse do desejo a prova de vida do amor. E acabasse por torná-lo na verdade da diferença.

É por isso que estarmos a poucos dias de pedir 12 desejos num minuto traz consigo uma aragem de algum mal-estar. Em primeiro lugar, por serem 12! 12 coisas para fazer antes de 2023; mais ou menos assim. Depois, porque seriar 12 desejos dá 5 segundos para fazer com que cada um nos mude a vida. Finalmente, porque se já de si é esquisito eleger, duma só vez, 12 (!) desejos, será ainda mais estranho pedir a alguém para que eles se realizem. Como se os foguetes e o barulho das luzes da passagem do ano levassem a que os desejos se formulassem mais como um ritual do que um vulcão que vem de dentro. E se dessem num registo do género: deseja e deixa-te estar. Ou: deseja e deixa andar. Como se o desejo fosse amigo da preguiça e pedir um desejo fosse mais “natural” do que reconhecê-lo como nosso, assumir que o queremos para, a seguir, trabalharmos para o conquistarmos. Isto é, aos 12 desejos da passagem do ano parece faltar-lhes alma. E garra, ainda. Talvez por isso eles esmoreçam, logo a seguir. E tenham pouco de “começar de novo”. Pedir aos 12 desejos de cada vez tem qualquer coisa de querer mudar quase tudo dentro de nós. Como se ninguém se transformasse a não ser confundindo recomeçar com começar do zero”. O que talvez dê para entender que depois de 12 desejos em 60 segundos, acabemos todos a mudar doze “coisinhas” para que, depois, fique tudo mais ou menos igual. Como sempre. Mais uma vez.

É claro que pode ser uma generalização escorregadia, mas, para além de pedir desejos aos 12 de cada vez, quando pedimos que alguém realize “os nossos desejos” (ou, quando muito, que interceda ou que contribua para que eles se concretizem), estamos a assumir que, dependendo sobretudo de nós, os desejos não são para concretizar. Serão para confabular. Logo, eles não são bem desejos. São uma vontadezinha. São bolas de sabão! Porque se a intuição acaba por ser o topo de gama daquilo de que somos capazes quando escutamos tudo o que temos cá dentro, o desejo é o cume daquilo a que chegamos quando, de degrau em degrau, fazemos escolhas. E, depois de reconhecermos que não podemos ter tudo, elegemos, com humildade e com paixão, o que queremos mais de entre tudo o que mais queremos. E lutamos, de forma perseverante, para que isso se torne nosso. Para sempre.

Por tudo isso, em vez de 12, ganharíamos se elegêssemos um só desejo. Vindo do fundo da alma. Só nosso. E de quem, a pretexto dele, faça uma ponte connosco. Porque de cada vez que um desejo se torna palpável, se divide e se conquista, seja qual for a altura em que isso se dê, é Ano Novo outra vez.

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