Como cidadão e como profissional do Direito, devo desde já sublinhar que tenho uma boa opinião da PSP, como das restantes forças policiais portuguesas. Em termos comparativos, não ficamos mal na cotação à escala europeia e muito menos a nível global.

Claro que na polícia, como em todas as profissões, a minha incluída naturalmente, há sempre gente medíocre, delinquente ou simplesmente preguiçosa. Se alguma diferença existe, e só estamos a falar das chamadas maçãs podres, será que um profissional liberal medíocre, delinquente ou preguiçoso, acabará na miséria porque não terá clientes ou um empregado por conta de outrem medíocre, delinquente ou preguiçoso, também rumará rapidamente para o desemprego. Mas se o medíocre, delinquente ou preguiçoso, for funcionário público, dada a protecção de inamovibilidade que constitucionalmente goza, só não vai receber eternamente o seu salário, porque – vá lá saber-se porquê – os constituintes de 1975 se esqueceram de prover a continuação do pagamento do seu salário post mortem.

Soube-se por estes dias que a Direção Nacional da PSP decidiu proceder criminalmente contra o jornal Público por ter inserido no seu suplemento humorístico de dia 14 de Agosto, uma caricatura em que um dos bonecos, numa acção de extrema-direita, aparece com uma farda parecida com a da PSP. Confesso que vi o cartoon e não me apercebi sequer que uma das figuras estava com uma vestimenta passível de ser confundida com a da PSP. Devo isso à notícia da queixa-crime. Tive de ver de novo. Doutro modo, nunca teria reparado.

Só a PSP saberá quem é que — desta vez armado com uma lupa — se lembrou de gastar o seu tempo e o do Ministério Público com tão surpreendente demanda. Mas se é surpreendente, de facto, não é inédita.

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Quase meio século após o estabelecimento do regime democrático, permanece na nossa sociedade uma exacerbada sensibilidade nas instituições públicas quanto à sua situação de completa igualdade com a que possui qualquer cidadão perante o que lhe pode ser menos agradável. Isso é algo que só nos pode deixar profundamente desiludidos, mesmo embaraçados, e afigura-se um sintoma de enorme imaturidade democrática.

Continua entre nós uma enorme confusão entre aquilo que é a difamação de alguém, e neste caso duma instituição ou figura do Estado, — o que pode constituir um crime — e o acto, provavelmente desagradável para o visado ou instituição, que é simplesmente gozar com ela – o que não constitui crime algum.

Num Estado de Direito tem sido repetido até á exaustão, nomeadamente em sentenças dos Tribunais, pelos vistos sem grandes resultados práticos na mente de algumas pessoas, que caricaturar, brincar ou até escarnecer de instituições publicas não é proibido e não representa alguma ilegalidade. Muito menos, no contexto específico duma publicação humorística. O que é legalmente interdito e punível é ameaçar as instituições e as pessoas em geral. Se estivéssemos na Bielorrússia ou na China seria diferente, mas não estamos.

Com esta noticiada participação criminal, a PSP está de facto a confundir a dimensão de situações inteiramente diferentes. Não há dúvida que a PSP, nomeadamente, tem sido chamada recentemente à delicada função de fazer cumprir as restrições vigentes em matéria de distanciamento social e aglomerações. Vários agentes seus têm sido agredidos e desrespeitados quando simplesmente desempenham a sua missão ao serviço do interesse público, que é a de fazer cumprir a lei, por todos e por igual. É essa a sua missão e só podemos ficar satisfeitos, por cumprir aquilo que dela esperávamos.

Há momentos em que pela falta de actos insólitos com este que acabamos de ver noticiado chegamos a pensar que talvez o antigo respeitinho do tempo do salazarismo já tivesse passado à história. Não passou, por mais inacreditável que isso possa parecer.

A PSP, com esta queixa criminal, parece confundir a falta de respeito e as ameaças de que muitas vezes são alvo os seus agentes, com o dito respeitinho bafiento, que desejaríamos ver definitivamente banido das relações entre os cidadãos, a comunicação social e as instituições. Não havia necessidade…