As palavras iniciais de Friedrich Engels no seu primeiro clássico (1874) são para esclarecer que não há uma, mas sim inúmeras questões do alojamento, conforme as populações são locais ou vêm de longe; vivem em grandes cidades antigas ou procuram residência nas novas localidades que estão a nascer com a difusão da grande indústria e das novas actividades profissionais; ou ainda com o crescimento e a diversificação do comércio para não falar das funções burocráticas e, gradualmente, aquelas que todos ambicionamos!

Há século e meio, já a questão do alojamento era tanto ou mais complexa conforme as actividades do crescente número de profissionais e a mobilidade em geral desses trabalhadores e das suas famílias, incluindo as crianças e os jovens. Reler Engels, sensível como era às múltiplas relações entre classe social, profissão, actividade e até etnias, é mostrar que a questão está longe de se reduzir ao parque existente de construções e ao seu custo relativo conforme a oferta e a procura.

Não é necessário, portanto, imaginar conspirações de uns contra outros e, em particular, entre as famílias e as autoridades. Numa questão privada como esta, o governo deveria estar em princípio tão distante quanto possível das empresas construtoras e, no dia a dia, das firmas de compra e venda de prédios e/ou partes deles, incluindo vendas e compras directas entre proprietários, compradores e inquilinos. Para validar as trocas entre parceiros no fim das negociações, lá estarão os “poderes locais” para as registar e cobrar as percentagens devidas às respectivas circunscrições.

Nunca até hoje se ouviu falar de intervenção do aparelho estatal entre venda e compra ou entre donos e inquilinos, a não ser quando a revolução soviética açambarcou a partir de 1917 toda a propriedade privada e instalou os sem-casa nas residências particulares, como aliás conta Boris Pasternak no Doutor Jivago (1958). Mesmo após o golpe de 25 Abril de 1974, a evolução do mercado habitacional resistiu aos eventos consecutivos à pressão ideológica, promovida no tempo do General Vasco Gonçalves, no sentido de entregar casas gratuitas ou algo semelhante a grupos populares.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Com efeito, se é certo que a “ocupação de casas” foi de pouca dura, bem como o movimento de auto-construção de alguns bairros populares, ambos cederam rapidamente o passo em 1975 à privatização dos bancos e seguradoras de propriedade nacional, bem como das maiores empresas de capitais portugueses. Ora, foram essas empresas que rapidamente chamaram a si o financiamento da compra de casa, instituindo desde o final dos anos ’70 um regime de “crédito bonificado” fornecido pela banca nacionalizada à compra de habitação. Este regime permanece até hoje, financiando directamente ou não as empresas de construção civil, bem como as indústrias fornecedoras, desde o cimento e as tintas até ao mobiliário e aos equipamentos domésticos.

Em suma, todo um mundo económico já de si de baixa produtividade e, como tal, empregando mão-de-obra sem qualificações, não só perdurou durante muitos anos ao mesmo tempo que aumentou notoriamente a apropriação privada da casa por parte de mais de 70% da população residente. Na última dúzia de anos, quatro dos quais (2011-14) sustentados pelo financiamento internacional ainda hoje por amortizar, o número de novos alojamentos lançados no mercado está praticamente parado! O momento da crise está pois aqui… e é ainda uma continuação do regime mantido por Sócrates e prosseguido até agora por António Costa e o PS!

Com efeito, nas quatro últimas décadas a partir do censo de 1981 – o primeiro a registar o índice segundo a qual o número de filhos por mulher férteis já estava abaixo da substituição de gerações – o número de famílias subiu de 2,9 para 4,1 milhões agrupando pouco mais de 10 milhões de habitantes. As habitações necessárias para alojar as pessoas deixaram de aumentar devido à balança entre emigrantes e imigrantes, dependendo hoje da renovação urbana e sobretudo do envelhecimento demográfico do país.

Com efeito, o aumento da esperança de vida da população e a redução dos nascimentos fizeram, neste mesmo período de tempo (1981-2021), com que o número de pessoas vivendo sós já tenha ultrapassado o milhão. Ora, metade desta população tem 65 anos ou mais e grande parte dela vive em “lares inóspitos”, o que aponta pois para a necessidade de um regime habitacional de novo tipo – nomeadamente os centros de cuidados paliativos – e não esses “lares de idosos” de que vive a igreja católica.

Em suma, o alarido foi criado subitamente pelo governo socialista, ameaçando os “ricos” de ficarem sem casas devido à carência habitacional dos “pobres” e prometendo a estes mais “apoios” como aqueles que o PS se gaba de lhes ter dado por causa da pandemia, da guerra e, por fim, das súbitas despesas provocadas pela subida de preços! Entretanto, Costa e os seus fazem de conta que dirigem o país quando este já entrou em roda livre!