Bem entrados em 2023, já não vale falar sobre perspetivas para o ano. O jogo vai a meio e parece difícil que o desfecho nos venha a surpreender, pese embora o choque de acontecimentos terríveis e inesperados, como o recente sismo na Turquia e Síria.

As inúmeras manchetes com que o setor da energia nos brindou no final do ano passado parecem merecer agora um lugar mais discreto, e por boas razões: os preços grossistas do gás natural, da eletricidade e dos produtos refinados na Europa aliviaram a pressão dos máximos registados há seis meses. Um inverno menos rigoroso que o esperado e um nível de reservas (Gás Natural) na Europa já sem a contribuição das importações da Rússia tranquilizam os mercados e conferem uma confiança acrescida. A guerra, essa, continua a constituir a variável menos previsível, com impactos diretos na valorização das principais commodities, sem esquecer as da agroindústria e da alimentação.

Mas voltemos ao tema da energia. Não passaram despercebidas as notícias de há umas semanas quando as principais empresas multinacionais petrolíferas anunciaram os seus resultados de 2022. A BP atingiu uns “módicos” $27.7b (biliões de dólares), um recorde absoluto nos seus 114 anos de história e 12 anos após o acidente no Golfo do México que esteve a ponto de ditar o fim da empresa. A Equinor reportou $75b, a ExxonMobil $55.7b e a Shell $40b. Números de uma dimensão pouco vista, nem nos tempos em que o petróleo reinava. A “nossa” Galp reportou 881 milhões de euros, um resultado igualmente notável à sua escala e não se pense que à custa dos preços elevados do Gás Natural (que não produz) ou dos preços meteóricos dos combustíveis que os condutores tiveram de pagar em 2022. À semelhança das suas congéneres internacionais, os resultados provêm em grande parte da atividade de exploração dos poços de petróleo em cujos consórcios participam.

É muito curioso assistir às declarações do CEO da BP, Bernard Looney, quando durante a apresentação dos números de 2022 concluiu que os investidores afinal compreendem e premeiam um abrandamento no ritmo da transição verde da sua empresa (i.e. abandono progressivo do investimento em fontes fósseis e consequente direcionamento do capital para fontes de reduzida intensidade carbónica). A estratégia que o próprio anunciou com pompa e circunstância em 2020, e que pressupunha uma redução de 40% na produção de petróleo e gás em 2030, é agora ajustada para 25%, e se a situação continua de feição já veremos como chegam a 2030. A razão: o mundo continua a pedir-nos petróleo e gás.

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Há umas semanas, no discurso do Estado da União, o Presidente Joe Biden não se dispensou de referir que o mundo e os EUA necessitarão de petróleo e gás durante mais algum tempo, pelo menos mais uma década. Ato contínuo, concluiu pela necessidade de continuar a investir e a perfurar mais poços. Um coro de apupos não se fez esperar, a que se uniram os congressistas do seu próprio partido.

Curioso igualmente constatar as mais recentes projeções (Outlooks, chamam-lhe) do consumo mundial de petróleo para 2050 da BP e da Exxon: enquanto a primeira estima que os atuais 100 milhões de barris por dia se reduzirão a 75 (no cenário “atuais políticas em vigor”), a segunda preconiza que aumentará para 105 milhões de barris por dia. Ambas reconhecem o efeito da penetração massiva dos veículos elétricos no setor dos transportes, mas a Exxon prevê um crescimento da procura na petroquímica (plásticos, sintéticos), que mais do que compensará a redução por efeito da eletrificação dos transportes.

Afinal que sentido tem tudo isto? Como entender as promessas “Net Zero” que Estados, blocos e empresas se apressam em anunciar sempre que as circunstâncias o reclamam? Isso sim, as metas são para 2050 – um pouco antes nalguns casos.

Pouco a pouco, a realidade vai-se impondo. Os grandes paradigmas da sociedade global mudam-se com visão e políticas, é certo, mas requerem tempo e realismo. E requerem sobretudo um apurado equilíbrio na sustentabilidade das mudanças.

Não estão em causa os méritos e a absoluta necessidade da descarbonização da nossa economia, a bem do planeta e das gerações futuras. Alguma politização do tema dificulta a leitura de um sentido de realidade que ajude a compreender onde estamos, para onde vamos e por que caminho. Visão e ambição são essenciais, a par de um sentido pragmático e uma de atuação responsável.

Sim, sabe o Presidente dos EUA e sabemos todos que infelizmente o mundo vai continuar a necessitar de queimar petróleo durante mais alguns anos (décadas) e que as empresas que o produzem não irão renunciar a essas receitas enquanto os mercados e os investidores os premiarem.

É hora de assumir que o processo vai demorar mais do que o que gostaríamos e é inútil, mesmo contraproducente, alimentar discursos catastrofistas e metas-fantasia que em nada contribuem para a transição que queremos fazer acontecer.