A Relação de Lisboa anda nas bocas do mundo, não pelas melhores razões. Melhor, anda nas bocas do País. Isto é, em certa medida, bastante injusto. Como advogado com escritório em Lisboa, inscrito na Ordem há mais de vinte anos, conheço bem o Tribunal da Relação. A esmagadora maioria das decisões que vi e li, como recorrente, recorrido ou por razões de estudo e pesquisa, são de uma enorme qualidade jurídica temperada por uma aguda sensibilidade social. Esta é a regra. Não outra. A jurisprudência da Relação de Lisboa não é só rica como é percursora. Por causa da centralidade da cidade, verdadeiro centro de negócios do País, é natural que assim seja. É mesmo inevitável que, quando o mundo económico e financeiro traz novas figuras jurídicas para cima da mesa, o primeiro tribunal superior que as disseque e analise seja o tribunal da Relação de Lisboa. Por estas razões devemos sopesar muito cuidadosamente o nosso julgamento, enquanto cidadãos e, por vezes, utentes da justiça, sobre os casos atualmente em investigação e que atingem alguns dos seus juízes.

Mas não é só a Relação que suporta o efeito negativo de um conjunto infeliz de episódios. A arbitragem também, por via do que recentemente veio a público quanto à designação do anterior presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, entretanto jubilado, como árbitro num processo arbitral e da utilização do salão nobre do Tribunal para realizar o respetivo julgamento.

A arbitragem também não merece o desprezo e censura que aparentemente lhe têm sido votados. Enquanto advogado com experiência em arbitragem há muitos anos posso dizer que se trata de um meio de resolução de litígios imprescindível no mundo atual, onde, desde logo, a decisão de um diferendo relevante para uma empresa, ou entre acionistas ou sócios, não pode demorar anos a fio. A arbitragem opera apenas por opção de ambos os contraentes, pois pressupõe que estes acordem numa cláusula arbitral no contrato, pelo que é um fruto da nossa liberdade individual. A arbitragem é conhecida em Portugal desde antes da fundação do País e o reconhecimento das decisões dos árbitros pelos tribunais vem previsto desde as Ordenações Afonsinas. Convenhamos que não é pouca tradição.

Mas, para o que agora nos interessa, onde é que se intersectam a arbitragem e a Relação de Lisboa? Cruzam-se na previsão legal de um poder de designação de árbitros sempre que as partes ou os árbitros não o façam nos prazos que dispõem para o efeito. Ultrapassados esses prazos, pode pedir-se ao Presidente do Tribunal da Relação que faça a nomeação em substituição dos faltosos. No caso que agora ocupa as notícias, assim terá acontecido, o que suponho, pois desconheço pormenores. O Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa terá escolhido o anterior Presidente da Relação como árbitro que faltava designar naquele processo (o que, só por si, é curioso), apesar da proibição do exercício de funções remuneradas por parte de juízes jubilados. Após isto, terá autorizado que o julgamento daquele processo se realizasse no Tribunal da Relação de Lisboa.

Em primeiro lugar, vejamos o exercício do poder de designar árbitros em substituição. Por diversas vezes os interesses em discussão nos processos arbitrais são de valor muito elevado. Este valor vai determinar os custos do processo arbitral, como uma escala. Os custos são essencialmente os honorários dos árbitros. Por isso, quanto mais elevado o valor do processo, maiores os honorários dos árbitros. Assim, sabe-se à partida que, nesses casos, a função de árbitro vai ser bem (ou mesmo extremamente bem) remunerada. Não só para estes casos mas para todos seria importante que existissem critérios e orientações genéricas a seguir nas nomeações que a Relação deve fazer, isto para evitar nepotismos, compadrios ou negociatas. A escolha deve ser sempre transparente, justificada e ainda, na medida em que tal faça sentido, com intervenção das Partes no processo, por exemplo com o envio de uma lista de nomes sugeridos para apreciação prévia das sensibilidades destas. Como se exigiu à mulher de César, também estas designações não devem apenas ser sérias, devem parecer ser sérias.

Quanto à utilização do espaço, entendo que, sempre que não esteja a ser necessário para a função a que está afeto, deve ser privilegiada uma utilização cultural e de partilha de conhecimento, tendo em consideração a tradição, beleza e riqueza da casa da Relação de Lisboa. Para além disto, pese embora me pareça talvez menos apropriado, uma vez respeitados os preceitos legais aplicáveis quanto à utilização de espaços públicos, não vejo que se belisque a soberania dos tribunais com o emprego de uma sala de audiência na realização, precisamente, de uma audiência de julgamento, ainda que de um processo arbitral. Pagando-se a justa contrapartida, claro.

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