Se dúvidas houvesse da utilidade, para um humorista, do domínio de uma qualquer arte marcial, ficaram dissipadas nos últimos dias. Depois da agressão de Will Smith a Chris Rock nos Óscares, foi agora a vez de Dave Chappelle ser agredido durante um espectáculo no Hollywood Bowl. Um chalupa munido de… “Eh pá, calma. Logo a colar rótulos às pessoas? Como é que sabes que se trata de um chalupa?”, interromperão vós. Deixem-me revelar de que vinha munido o chalupa, e logo me dizem se estamos na presença de um chalupa, ou não. Dizia eu. Um chalupa munido de, e agora escutem, uma faca dentro de uma pistola – sim, sim, uma faca escondida numa pistola; atenção, é possível que na América cause mais estranheza andar com uma navalhinha do que com uma Glock 19 – atacou Dave Chappelle.

Moral de história: pelo sim, pelo não, passei a trancar-me na divisão da casa em que escrevo estas crónicas. Casa que, por sua vez, também ela está, como é óbvio, trancada. Exagero? Meus amigos, neste momento, mais perigosa que a área da comédia só mesmo a zona da Ucrânia.

Por falar em trancar casas. Tão perigosa como a zona da Ucrânia só mesmo a habitação de um oligarca russo. Há dias faleceu o oitavo oligarca russo, sob circunstâncias suspeitas, desde que a Rússia invadiu a Ucrânia. O oitavo. Eu convencido que o maior problema do Putin era a guerra na Ucrânia não lhe estar a correr bem e afinal o homem está a braços, em simultâneo, com um surto de uma doença misteriosa que só ataca oligarcas russos. É capaz de ser uma virose tipo COVID. Só que em vez de afectar velhinhos em lares, afecta multimilionários nos seus lares. E ao passo que a COVID é perigosa para os imunocomprometidos, esta nova maleita parece ter uma taxa de mortalidade de 100% junto daqueles que podem comprometer o ditador russo.

Talvez fruto de tanta inquietação, Putin fez um discurso chochinho anteontem, durante o desfile comemorativo do 9 de Maio, dia em que os russos assinalaram o 77º aniversário da vitória sobre os nazis. Quando se previa um anúncio formal de guerra à Ucrânia, Putin alegou a defesa da pátria perante a suposta ameaça da NATO. Quando se antecipava uma mobilização geral de tropas russas, Putin queixou-se da invasão de “terras históricas”. Quando se temia a ameaça de uma guerra nuclear, Putin reconheceu a perda de soldados no conflito. Convenhamos, muito fraquinho para um ditador sanguinário deste calibre.

Felizmente para Putin, neste momento de fraqueza em data tão importante, o PCP veio em seu socorro. Coube a Jerónimo de Sousa “sublinhar o contributo decisivo da URSS, do povo soviético e do seu Exército Vermelho, que – à custa de mais de 20 milhões de mortos e de enormes sacrifícios – determinou o curso da guerra e permitiu libertar a Humanidade do nazi-fascismo.” Confesso que não ouvi o discurso todo, mas é possível que, mais adiante, Jerónimo tenha acrescentado que “20 milhões de mortos é um desperdício de vidas. Quando na URSS havia tantos e tão bons gulags prontos para receber estes cidadãos soviéticos.” Mas o que interessa é que a união do PCP à Rússia pelo vínculo do comunismo é inabalável. Isto é como se diz nos votos de comunismo: na tristeza e na tristeza, na doença e na doença, na pobreza e na pobreza.

A propósito de pobreza, não darei por concluída esta rubrica sem mencionar Mário Centeno que, na semana passada, apresentou o Boletim Económico do Banco de Portugal sobre a evolução da economia em 2021. E o que é este Boletim? No fundo, este Boletim é muito semelhante ao Borda d’Água. A única diferença é que o Borda d’Água remete-nos para a noção de margem de uma extensão de água, ao passo que este Boletim do Centeno relembra-nos que a economia portuguesa já submergiu por completo.

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