A Hungria assinalou ontem os 60 anos da chamada Revolução Húngara, que decorreu entre 23 de Outubro e 10 de Novembro de 1956. Foi a primeira grande revolta popular espontânea contra a dominação soviética para lá da “cortina de ferro” — como Churchill a denunciou logo em Março de 1946, no célebre discurso de Fulton no Missouri.

Vários eventos ocorrem também em Portugal, incluindo uma missa solene, ontem nos Jerónimos, presidida pelo Cardeal Patriarca, e uma conferência terça-feira, na Universidade Católica, promovida conjuntamente pela Embaixada da Hungria e pelo Instituto de Estudos Políticos daquela Universidade.

Muito pode e deve seguramente ser dito a propósito desta efeméride. Mas três pontos merecem por certo alguma atenção.

Em primeiro lugar, a Revolução Húngara de 1956 recorda-nos o embuste intelectual e moral do comunismo. Em nome da inveja terceiro-mundista contra as desigualdades, e da mais pura demagogia igualando o capitalismo ao fascismo e ao nazismo, o comunismo impôs ditaduras sanguinárias onde quer que se tenha instaurado. E instaurou-se sempre sem ter ganho eleições livres. Falando em nome dos pobres, impôs ditaduras sobre toda a gente, pobres e não pobres, com a parcial excepção dos “apparatchiks”. Mesmo esses não escaparam às purgas sucessivas promovidas pelos vários déspotas de plantão.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A espontânea revolução húngara de 1956 foi a primeira grande demonstração popular contra a ditadura comunista. Ficou injustamente menos famosa do que a célebre Primavera de Praga em 1968 e do grande movimento “Solidarnosc” da Polónia em 1980. Mas a verdade é que foi o início da série de revoltas populares anti-comunistas que conduziram à queda do Muro de Berlim em 1989 e à subsequente instauração de democracias liberais na Europa central e de Leste.

Um segundo ponto que merece ser lembrado é que a causa anti-comunista da Hungria, da Checoslováquia e da Polónia era a causa da democracia ocidental. No chamado Terceiro Mundo, que não conhecera a democracia liberal e a economia de mercado, esteve em voga nas décadas de 1960 e 1970 — e hoje por vezes parece querer regressar — o chamado movimento dos “Não Alinhados”. Diziam que eram uma alternativa ao comunismo soviético e ao “imperialismo” americano — e que representavam os pobres do resto do mundo.

Os povos que viveram sob ditaduras soviéticas nunca acreditaram nos “não-alinhados”. O que eles queriam — e finalmente conseguiram em 1989 — era regressar ao Ocidente.

E isto conduz-nos ao terceiro ponto. O que esses povos entendiam por Ocidente é a democracia liberal e a economia de mercado que distinguiu a causa anti-nazi e anticomunista durante o século XX. Não é um sistema perfeito. Como recordou Churchill, é mesmo o pior sistema, com excepção de todos os outros.

Isto deve hoje ser enfaticamente recordado. À esquerda e à direita estão de volta os discursos demagógicos contra o que chamam “o sistema”. Dizem que o “sistema” é uma oligarquia que oprime as pobres massas oprimidas. Esse é o discurso do Syriza na Grécia, do “Podemos” em Espanha, do “5 Estrelas” em Itália, do Bloco de Esquerda e dos comunistas em Portugal, de Marine Le Pen em França. E, por incrível que pareça, chegou até à América com Donald Trump e Bernie Sanders.

O 60º aniversário da revolução húngara é uma boa altura para responder a esses cavalheiros. E para lhes dizer que gostamos muito do “sistema”.

É um “sistema” livre, de freios e contrapesos, em que ninguém detém o poder absoluto — que está dividido entre executivo, legislativo e judicial. E mesmo o poder desses três ramos do Estado está limitado pela lei, que protege os direitos das pessoas “à vida, à liberdade e à busca da felicidade” — para citar a Declaração de Independência norte-americana de 1776 (ela própria herdeira da Magna Carta de 1215).

É este primado da lei e aquele sistema de freios e contrapesos que protegem a liberdade da sociedade civil, das pessoas, das famílias, das empresas e das instituições intermédias espontâneas, que resultam da livre associação das pessoas.

Foi para reconquistar este “sistema” que os húngaros se bateram em 1956. A homenagem que lhes é devida exige que saibamos voltar a defender o “sistema” da democracia ocidental — hoje mesmo, antes que seja tarde.