Vêm aí “alterações profundas”. O aviso está nas palavras do Secretário de Estado da Educação, João Costa. E só apanhará desprevenido quem andar distraído. É que “alterações profundas” é o que não tem faltado. E, concorde-se ou não com algumas delas, este frenesim reformista inquieta o sector. Porquê? Porque o sistema educativo vive sobrecarregado de sucessivas alterações. E porque, apesar de tudo, o que se tem mantido constante até tem produzido bons resultados – basta ver a notável melhoria dos alunos portugueses na avaliação do PISA entre 2006 e 2015. Fazer o histórico das alterações legislativas que acompanham um aluno desde a entrada até à saída da escolaridade obrigatória equivale a ler o guião de um thriller: sabe-se como começa, vive-se no suspense sobre como irá acabar. Não é de agora. Há muitos anos que quem passa pela 5 de Outubro não resiste a pesar a sua marca em quilos de decretos e portarias. E isso é um problema (quase) consensual e que PS-PSD-CDS reconheceram. Daí que, no seu programa eleitoral, o PS insistisse na necessidade de “garantir a estabilidade do trabalho nas escolas, o que pressupõe reformas progressivas, planeadas, negociadas e avaliadas” (p.45). Chegado ao governo, optou por outro caminho.

Com Tiago Brandão Rodrigues na cadeira de ministro, nada nas reformas foi progressivo. Pelo contrário: em pouco mais de um ano, quase tudo se alterou. A avaliação dos alunos. A avaliação dos professores. A dimensão das turmas, cuja promessa é diminuir. A revisão do currículo e das metas curriculares, assim como do perfil de competências e da própria estrutura curricular. O fim abrupto do modelo de contratos de associação. As alterações de regras na contratação docente. O alargamento da descentralização na Educação – sem esperar pela avaliação dos resultados do projecto-piloto lançado pelo anterior governo. A listagem de alterações (implementadas e prometidas) percorre as várias áreas do sistema educativo.

Não é uma questão de quantidade. Isso é muito, mas é o menos. O mais está na ausência de sustentação: pouco nestas reformas foi planeado. Basta recordar como, de forma abrupta e cega, a actual maioria parlamentar mexeu na avaliação dos alunos e dos professores. De um dia para outro, desapareceu por decreto do calendário escolar. E, no ano lectivo passado, a indefinição prolongou-se de tal modo que algumas escolas fizeram exames, outras realizaram provas de aferição e várias decidiram nem sequer avaliar. O problema vai mais longe: pouco nas recentes reformas se suporta em avaliações internacionais ou se sustenta em evidências. A pergunta é elementar – em que estudos ou resultados se suportam as decisões de acabar com a avaliação dos alunos nos finais dos ciclos, de abandonar a avaliação dos professores, de desistir do enfoque na matemática, de defender os benefícios da diminuição do número de alunos por turma? A resposta é o silêncio. O que não admira. Estas várias decisões contrariam as boas práticas internacionais e os pressupostos que, nas avaliações da OCDE, fizeram de Portugal (dos seus alunos e dos seus professores) um caso de sucesso.

Nos próximos tempos, falar-se-á muito da rotineira instabilidade. Sim, em pouco mais de um ano, quase tudo mudou na Educação. Mas o ponto que importa reter é que nada do que mudou foi progressivo, planeado ou suportado em avaliações. Foi, afinal, abrupto, precipitado e amparado em ideologias, em convicções, em satisfações de reivindicações sindicais. Não assentou nos factos, nos resultados da investigação, nas evidências saídas das avaliações internacionais – naquilo que sabemos ser realmente benéfico para as aprendizagens. Mas encostou-se a uma agenda política alheia aos alunos, que contraria as boas práticas que elevaram Portugal a caso de sucesso nas avaliações internacionais.

Está uma revolução em curso na Educação. E avança imparável. No parlamento, a oposição está de mãos atadas. No sector, os sindicatos e associações de professores calaram-se em troca de regalias. No debate público, anda tudo distraído com as trapalhadas de Mário Centeno. Sobra alguém? Só Marcelo, o presidente com poderes de primeiro-ministro, que tem a oportunidade de traçar o limite. Quererá? É que, ao contrário das Cornucópias desta vida, aqui pode realmente fazer a diferença.

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