Uma noite no hospital de São José pode ser uma oportunidade interessante para percebermos o estado verdadeiro do nosso país, em varias áreas.

Quando numa urgência optamos por um hospital público, e poder optar já é por si só um privilégio, isso já tem um significado: uma experiência actual recente muito positiva em termos de qualidade médica, atendimento, tratamento e follow up, contrariando um diagnóstico anterior incorrecto do privado.

A uma quinta feira, 11 da noite, decide-se: Hospital de São José. Não há hesitações.

O hospital privado da zona de residência não tem serviço de urgência por causa da Covid. Está fechado.

Em São José o ambiente está calmo.

O mendigo que fala alto provoca os funcionários e incomoda os utentes.

A rapariga da cara completamente esborrachada, não dá para perceber se caiu ou foi empurrada, partiu a cana do nariz, tem que ser operada.

O casal indiano que entra esbaforido, o senhor tem cataratas, cego de um olho, não vê nada.

A espera foi a sentença da noite para todos.

O mendigo, vou chamar-lhe José, pois foi uma personagem tão presente que tem direito a nome, grita por um cobertor, pois faz muito frio lá fora e procura o aconchego do quente dos muitos que ali estão, do banco duro e do dito cobertor.

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Generosamente este chega pela mão dos enfermeiros que talvez já o conheçam de outras noites e o deixam ficar a dormir por ali.

Dormir, dormir, não dormiu, não esteve quieto nem nunca se calou.

Dois rapazes dos países de Leste chegam de Santarém. Não falam português, não se sabe se estão bêbados, drogados ou com Covid. Porque ninguém os entende, não se sabe o que têm.

Outros chegam de várias zonas do país pois muitas das especialidades que procuram estão concentradas ali.

Os polícias que ali estão 24 horas por dia, de plantão, dão o exemplo do português que não arreda pé e cumpre o dever.

Fica e toma conta. De todos. Humanidade, generosidade e compaixão foi o que senti da parte desta classe profissional de que uns tanto se queixam por abusos de poder, outros defendem porque os ordenados são de facto baixos para os riscos da profissão.

Mas eles estão ali.

Os senhores do lixo, da segurança, procuram também um pouco de conforto nas máquinas do café e contam as moedas para o tomar.

Cúmplices do ambiente, já fazem parte daquele cenário.

As senhoras da limpeza também dão o seu melhor, borrifando álcool e produtos para desinfectar o chão pestilento e peganhento que pouco tempo durou limpo.

Fazem-no ao mesmo tempo que respondem às provocações do José sem mudanças nas feições.

Vai para casa! O que tu tens sei eu!

Pela conversa simpática e solidária do Sr. polícia, que acabou a fazer-me companhia, parece que também tem medo da terceira dose, mas alguns colegas já morreram de Covid porque não levaram a vacina…

Muitos entram para procurar um conforto do quente humano que ali se sente, pela própria presença dos humanos como uma pequena amostra de uma estrutura que não terão em mais lado nenhum.

A casa de banho disponível, a máquina do café, o chão limpo, a cadeira dura, o cobertor. O próprio polícia. Aquele que impõe a ordem.

Mais uma vez os médicos que nos atenderam foram exemplares em todos os aspectos.

Saímos tratados, confortados e seguros com o veredicto. Super profissionalismo mas na verdade, segundo o Sr. polícia, também é uma questão de sorte… os bons estão a sair para o privado porque ganham três vezes mais.

Quando no fim quisemos pagar, o segurança da recepção acenou-nos com ar condescendente ao ver o cansaço da nossa cara dizendo que a conta irá para casa. Um alívio não ter que pensar em pagar um serviço impecável às três da manhã porque a conta irá para casa. Pequenos privilégios de viver num país que tem um sistema público de saúde embora, dizem, precário.

Quando saímos despedi-me com vontade de levar um a um para casa e poder tratar de todos. Dar-lhes um banho quente, uma cama e uma boa refeição. E será essa a função do estado? Para além da saúde de cada um, dos imprevistos, o que vi naquela sala de espera foi um retrato simbólico do nosso país.

Uma pequena amostra das condições de vida de muitos que não vimos e não conhecemos mas que precisam tanto de um estado que funcione.

Isto a propósito das eleições, muita coisa estará mal, os políticos muitos são corruptos, há degradação do estado mas  a alma dos portugueses permanece intacta na sua compaixão, serviço de dever e humanidade. Condições que nos caracterizam e em tantos casos nos diferenciam.

Apenas posso estar agradecida e no dia 30 ir votar naquele que me parece o mais certo para dar ânimo ao nosso país chamado Portugal.

Que haja mudança, que haja melhoria, que haja saúde para o estado e para todos nós.