A saúde é uma competência do Governo Central.

De acordo com o Artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa, a manutenção dos cuidados de saúde é assegurada pelo princípio e o direito constitucionalmente garantido, nomeadamente o direito à proteção e promoção da saúde populacional através de um Serviço Nacional de Saúde universal, tendencialmente gratuito, com gestão descentralizada e participada [1].

Ao longo da última década assistiu-se a um movimento das autarquias, em cooperação com a Administração Central, por exemplo na cedência de terrenos, para construção de centros de saúde; mas também no desenvolvimento de políticas de saúde ativas complementares à ação do Estado Central, como rastreios e programas de intervenção nas áreas dos cuidados paliativos e cuidados continuados.

Para além disto, os municípios têm levado a cabo, recorrentemente, ações de sensibilização junto dos munícipes sobre questões de saúde, em atividades conjuntas com associações de especialidade de saúde, como por exemplo com a Fundação Portuguesa de Cardiologia ou Sociedade Portuguesa de Pneumologia. Elaboração de brochuras que são distribuídas pela população em geral, mas com particular incidência nas populações de risco e aos jovens no sentido de promover a educação para a saúde.

Esta intervenção municipal tem vindo a crescer embora a sua competência se mantenha no Poder Central. Regista-se cada vez mais a intervenção do Estado protocolada para garantir os melhores cuidados às populações. Fenómeno, que acontece igualmente na área da educação e outras [2].

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Devido à pandemia por COVID-19, as autarquias locais têm desempenhado um papel crucial na resposta à necessidade emergente de políticas de saúde pública, como por exemplo o aumento dos domicílios (entrega de medicamentos e alimentos), de estratégias de higienização das ruas, a criação de hospitais de campanha e centros de testagem e vacinação, bem como o desenvolvimento de plataformas digitais e linhas telefónicas de apoio ao utente. Desde o surgimento da pandemia, foi necessária reorganização de inúmeras políticas de saúde, tal como reforço de determinadas valências, o que culminou no aumento da despesa municipal associada ao combate ao coronavírus. Uma vez que a maior parte dos setores foram afetados pela pandemia, observou-se uma quebra de receitas e, simultaneamente, um aumento da despesa nas contas dos municípios.

Ora, isto resulta da simbiose entre a deliberação de descentralização do Estado e o aumento de capacitação dos municípios em diversas áreas nos termos das políticas de proximidade. O facto de existir uma crescente incapacidade do Sistema de Saúde em lidar com as mudanças do setor, demonstra que a injeção de capital na saúde não seria suficiente. É inevitável reformar o Sistema de Saúde para a modernidade do séc. XXI, tendo em conta desafios como o acesso universal à saúde e a imposição da sustentabilidade [3].

Posto isto, com o objetivo de analisar/comparar programas de saúde propostos para as Eleições Autárquicas 2021, de modo que fosse possível catalogar semelhanças entre os municípios e/ou os partidos políticos, foi realizada uma simulação entre três municípios pertencentes à Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT).

Dos 308 municípios de Portugal (278 no continente, 11 na Madeira e 19 nos Açores) foram selecionados três, tendo como critério de seleção características sociodemográficas, como a dimensão populacional por município segundo os Censos 2021. Assim, foram eleitas três câmaras para análise: Câmara X, população residente entre 350.000 – 400.000 habitantes; Câmara Y, população residente entre 150.000 – 200.000 habitantes; e Câmara Z, população residente entre 100.000 – 150.000 habitantes. Desta forma, foram consideradas três câmaras da mesma área geográfica com diferentes graus de concentração de população residente (elevado – Câmara X, médio – Câmara Y e reduzido – Câmara Z). Seguidamente, procedeu-se à análise das iniciativas de saúde inseridas no Programa Eleitoral Autárquico 2021 de um partido de espetro político de esquerda e um de direita, visando comparar resultados, a nível municipal, provenientes da transferência de competências para os municípios de acordo com o Decreto-Lei n.º 23/2019 de 30 de janeiro [4].

Após listadas as iniciativas de saúde a relevar, foi atribuído score 1 para o regime partidário que apresenta a iniciativa em questão, e score 0 caso a proposta não esteja mencionada no programa eleitoral do candidato. Os programas de saúde foram catalogados segundo os 3 municípios de diferentes dimensões populacionais (X, Y, Z).

Deste modo, procedeu-se à compilação dos dados obtidos numa tabela comparativa (Tabela 1. Quadro Comparativo de Propostas de Saúde por Município nas Autárquicas de 2021), assim como à respetiva análise dos mesmos.

Com base na pontuação obtida, é possível aferir que quanto maior é a dimensão populacional associada ao município, maior é o detalhe na exposição dos programas de saúde que o candidato se propõe a instituir, e vice-versa, independentemente do regime partidário.

Nos municípios com maior número de habitantes, ambos os candidatos elaboram propostas relacionadas com a atribuição de médico de família. Por outro lado, os municípios com menor dimensão populacional desenvolvem propostas mais direcionadas para a saúde do idoso e acompanhamento do mesmo.

O conceito do ‘gestor do doente’, o município como ‘Unidade Local de Saúde’, e o acesso gratuito a determinados serviços de saúde (como medicação e seguro de saúde) são algumas das iniciativas de saúde referidas exclusivamente no programa eleitoral do partido de ideologia de direita.

Em contrapartida, a fixação de um maior número de profissionais nos Cuidados de Saúde Primários, a capacitação de equipas na comunidade para prestação de cuidados de saúde a idosos, e a atribuição de apoios a cuidadores formais são algumas das iniciativas de saúde referidas exclusivamente no programa eleitoral do partido de ideologia de esquerda.

Ambos os regimes partidários, apresentaram para municípios de grande e média dimensão programas que visam o estabelecimento de gabinetes de proximidade com a comunidade, nomeadamente na área da saúde mental. O desenvolvimento de novas infraestruturas de saúde (centros de saúde, novo hospital de referência, etc.) é uma necessidade transversal aos municípios em análise, bem como o investimento em camas de cuidados continuados e paliativos. A criação de estruturas de apoio social e programas de envelhecimento ativo também são uma iniciativa transversal.

O facto de nas últimas décadas termos assistido a um aumento significativo da esperança média de vida da população e, consecutivo envelhecimento da mesma, impulsionou a procura de cuidados de saúde, sobrecarregando o Serviço Nacional de Saúde. É de relevar o impacto nos níveis de saúde das comunidades, e a responsabilidade de envolver atores municipais e mobilizar recursos, conferida pelo Princípio da Descentralização Administrativa.

A emergência de políticas de saúde a nível local é colocada em ênfase pelo processo de transferência de competências no setor da saúde para os municípios. O referido processo deve ser suportado juntamente com a Administração Central, de modo a dar resposta aos processos financeiros e logísticos inerentes. A adoção de estratégias de cooperação e partilha de encargos entre a Administração Central e Local deve ser promovida. Através de uma cultura de gestão de proximidade dos Cuidados de Saúde Primários e das autarquias, em função do serviço nacional de Saúde, será potencializada a redução de assimetrias locais no que diz respeito aos indicadores de saúde da população. O desenvolvimento de parcerias em diferentes áreas de governação do Sistema de Saúde, deve ter como objetivo a implementação de estratégias que maximizem a resposta do serviço Nacional de Saúde, como por exemplo o aumento da taxa de cobertura de cuidados médicos em zonas periféricas, a diminuição da taxa de prevalência de doenças crónicas e a requalificação de infraestruturas de saúde junto da comunidade [12].

Eleva-se o desafio de criar um sistema de gestão mais abrangente e ajustado aos contextos locais, alocando meios e recursos de forma equitativa e, consequentemente aumentando a acessibilidade dos cidadãos aos Cuidados de Saúde Primários, bem como a sua interoperabilidade.

Quanto às limitações de pesquisa, é de salientar que nem todos os partidos apresentam programas eleitorais locais, uma vez que os programas são desenvolvidos pelas estruturas locais e não pela sede partidária. Isto constituiu-se como uma barreira de pesquisa, na medida em que a maioria dos programas eleitorais dos municípios em análise foram obtidos nos sites dos respetivos candidatos e mesmo nas suas redes sociais. A 13 de setembro de 2021, foram contactados telefonicamente dois partidos de ideologia oposta, de modo a completar a informação dos sites municipais e respetivos partidos, no entanto não foi fornecida nenhuma informação adicional.

Em suma, a Saúde dos Portugueses é cada vez mais importante, com envelhecimento da população e no “pos-pandemia”, a articulação entre administração central e local parece fundamental, necessária, e desejada, mas os programas, as ideias comunicadas, e o debate sobre saúde autárquica ou saúde nos municípios parece “oculto”, pouco desenvolvido, e pouco participado. O cidadão comum terá tido, como nós tivemos, muita dificuldade de perceber o que se propõem fazer, pelo menos por escrito, os vários partidos e candidatos. Esta área da política de saúde é nova, vibrante em vários países, e claramente o futuro da saúde dos Portugueses passa cada vez mais por sua casa, telesaúde, telemonitorização, mas também ambientes, ruas, e contextos promotores da saúde preventiva, aqui os Municípios podem e devem, liderar. Estão próximos, articulam social, saúde, escolar e planeamento urbano; estão junto, desenvolvem proximidades sociais e mesmo pessoais, e mais que tudo, são objeto mais fácil do escrutínio popular em relação a obra feita – a partir de 2021, também na saúde. A saúde municipal pode assim ser vista como uma expressão clara de saúde societal que urge desenvolver, propor em público, debater, eleger e acompanhar.

  1. Artigo 64.º da Constituiçãoda República Portuguesa, in Diário da República n.º 86/1976, Série I de 1976-04-10.
  2. Loureiro, , Miranda, N., & Miguel, J. M. P. (2013). Promoção da saúde e desenvolvimento local em Portugal: Refletir para agir. Revista Portuguesa de Saúde Pública, 31(1), 23-31.
  3. Leite, R., (2020). Um caminho para a cura – Realidades e propostas para o sistema de saúde em Portugal.Lisboa: Publicações Dom Quixote.
  4. Decreto-Lei n.º 23/2019 de 30 de janeiro, Presidência do Conselho de Ministros, Administração Interna, in Diário da República n.º 21/2019, Série I de 2019-01-30.