Desde que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi criado, em 1979, é consensual na sociedade portuguesa a necessidade da existência de um serviço de saúde público que garanta o acesso universal à prestação de cuidados de saúde e, tendencialmente, sem custos para o utente. Ainda assim, ao longo dos últimos anos surgiram muitos grupos privados que se desenvolveram, garantindo uma maior complementaridade e proximidade aos cidadãos, eficiência na gestão de recursos e qualidade no serviço prestado. Permitiu, também, retirar pressão ao serviço público, oferecendo um serviço de qualidade e em muitas geografias ainda não existente.

O que estes 40 anos de SNS nos mostram, é que os diferentes intervenientes, públicos e privados, revelaram capacidade para encontrar o seu espaço de atuação garantindo, em conjunto, que os portugueses têm um serviço de saúde que é referência no mundo, conforme se pode comprovar através da análise de vários indicadores, nomeadamente, relativos à mortalidade infantil, esperança de vida à nascença e vacinação.

A entrada de investidores privados na área da saúde ao longo das últimas décadas, tem vindo a demonstrar que, no que toca à saúde e bem-estar das populações, há espaço para todos, públicos e privados. Contudo, faz sentido perguntar: poderá a Covid-19 desafiar esta harmonia?

Mas vamos aos factos. Os grupos privados da área da saúde têm sido o grande motor do investimento no setor, seja através do desenvolvimento de projetos de raiz, seja por processos de fusões e aquisições de unidades de prestação de cuidados, como clínicas ou hospitais privados apetrechados com a mais recente tecnologia, assim como pelo maior dinamismo na contratação de cuidadores, médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde. Estes projetos são promovidos por equipas de gestão com uma estratégia assente no uso eficiente de recursos e num atendimento de qualidade ao utente, o que tem contribuído para a melhoria do setor como um todo.

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Quanto a unidades hospitalares, podemos também aí verificar que os maiores grupos privados têm aumentado significativamente o número de hospitais, assim como a sua localização geográfica. Podemos constatar, hoje, a existência de hospitais privados não apenas nos grandes centros urbanos como Lisboa e Porto, mas também num conjunto alargado de cidades do continente e regiões autónomas. Nos Açores, que até há pouco tempo se pautava pela ausência de investimentos privados de magnitude nesta área, está prevista a abertura de um grande projeto privado de elevado mérito no primeiro trimestre de 2021.

Entre 2010 e 2020, o número de hospitais particulares geridos pelos maiores grupos nacionais aumentou de 21 unidades para quase 50. A abertura destas unidades, dispersas geograficamente, vem demonstrar que os investidores privados entendem que há oportunidades comuns de desenvolvimento na área da saúde.

Com a chegada da crise pandémica a Portugal, surgiu o desafio adicional que se prende com a forma como poderão estes sistemas interagir num cenário de emergência pública.

Num primeiro momento, os resultados foram positivos e verificou-se, entre outras iniciativas, uma colaboração estreita entre os grupos na área do diagnóstico clínico e as entidades públicas, como as Administrações Regionais de Saúde (ARS) e as autarquias, para criar novos centros de atendimento móveis que visam efetuar testes à Covid-19, mais rápidos, simples e com menor risco de contágio.

Além disso, com a ameaça de uma segunda vaga, ou até mesmo de uma terceira, um dos temas em discussão é se o serviço público português, não podendo voltar a suspender consultas e tratamentos em benefício da Covid-19, terá capacidade, camas, financiamento e mão-de-obra, como médicos, enfermeiros e profissionais de saúde, para tratar todos os presumíveis casos.

Com o aproximar dos meses de inverno, e em face da dimensão que se prevê para este problema, estou convicto que um novo Sistema Nacional de Saúde vai sobressair, esperamos que fortalecido, com a complementaridade entre públicos, privados e outras estruturas (nomeadamente as de cariz social), a vir ao de cima como é, aliás, desejável e, mesmo, inevitável, relevando assim os benefícios dos investimentos que têm sido realizados nesta área.

Não tenho dúvidas que este será um grande desafio para todos os intervenientes e que o sweet spot será encontrado, garantindo o equilíbrio do sistema de saúde, do qual público e privado fazem parte integrante, e tendo em conta o interesse comum: a saúde e o bem-estar de todos nós.