Em Junho de 2020 o governo nacionalizou a TAP sob o pretexto de a salvar. Como é hábito, o governo usou o interesse nacional como justificação do uso do dinheiro dos contribuintes para salvar uma empresa. Para Pedro Nuno Santos defender a TAP era defender a economia do país. Esta confusão propositada entre o interesse nacional e o interesse imediato de uma empresa em particular é muito curiosa (mas comum) entre a esquerda que despreza o mercado livre, mas fica fascinada com o grande capital. É claro que o país precisa que haja quem traga turistas e que empregue pessoas. Menos transparente é que essa empresa tenha de ser escolhida pelo governo. É óbvio que o país ganha se uma empresa de aviação contrata trabalhadores, mas já é discutível que o país pague a uma empresa para que esta empregue pessoas quando há outras que o fariam de livre vontade.

Esta confusão intencional entre o país (ou o Estado) e uma empresa é uma forma de dar carta branca ao governo para que faça negócios sem escrutínio. Se se pergunta por que motivo se entrega 3,2 mil milhões de euros a uma empresa, a resposta é ‘interesse nacional’; se questionamos porquê esta empresa em específico e não outra, a resposta é ‘interesse nacional’. Parece que estamos no Estado Novo, mas não. O Estado Novo usava o ‘interesse nacional’ para provar outro tipo de acções, mas o argumento de um governo socialista do pós-25 de Abril é exactamente o mesmo. A direcção da economia por via do dirigismo das empresas é um conceito de soberania que parte do país político entranhou há décadas e do qual não se consegue libertar.

A soberania foi inúmeras vezes utilizada aquando da crise financeira para sustentar a crítica à política monetária do BCE. Nesse tempo, entendia a esquerda (que confunde os interesses de uma empresa com os do Estado) que Portugal devia ter uma palavra a dizer sobre o valor da sua moeda, isto é, sobre a sua política monetária. Não tinha em consideração que para um país determinar o valor da moeda é indispensável conter a dívida pública. No caso português, que existam excedentes orçamentais e que esses excedentes sejam utilizados para a redução da dívida pública expressa em unidades monetárias e não só a equiparada com o PIB. E é precisamente aqui que começam os mal-entendidos porque essa redução da dívida pública não interessa ao PS. Porquê? Porque tal significa uma reforma do Estado que poria em causa o seu eleitorado. Não havendo mão na despesa, a moeda não é um valor soberano do Estado, mas um activo financeiro utilizado pelo poder político em seu proveito próprio. Foi esta falha do que é viver em comunidade que levou Portugal a preferir entregar a condução da política monetária ao BCE. Na verdade, os governos perceberam que recebiam mais e mais barato através do BCE que por via da desvalorização do escudo. Estiveram em causa muitos valores, mas a soberania não foi um deles.

Como não é o que está em jogo na TAP. Veja-se o que sucedeu nas últimas semanas. No Natal passado, o Correio da Manhã noticiou que uma administradora da companhia aérea tinha saído da empresa com uma indemnização choruda. No entanto, e até esse momento, para o PS e para António Costa, o trabalho da administração da TAP era fantástico. Christine Ourmières-Widener era muito competente e a TAP até apresentava lucros. Quem diria que três meses depois seria demitida por justa causa? A resposta só pode ser uma: interesse político. É esta confusão entre interesse empresarial, negócio e interesse político que está em pôr em causa a empresa. A telenovela assume proporções tais que ficámos a saber que a TAP não recebeu indicações do accionista (Estado) para despedir a CEO e o Chairman da empresa. Como é que isto sucede? Como é que pessoas, ministros que nada percebem do negócio, nada sabem do aviões, não gerem empresas nem lidam com trabalhadores decidem o futuro estratégico de uma empresa? Também aqui a resposta só pode ser uma: quando o Estado intervém em negócios. Quando se confunde soberania do país com interesse político, com o interesse de um governo, com o interesse de uma empresa, com o interesse de um partido.

No últimos anos assistimos a um crescimento da influência do PS dentro do Estado que é proporcional ao enfraquecimento do próprio Estado. Ora, é este o ponto que tem de ser assimilado: a soberania pressupõe um poder político limitado que não delapide o Estado; um poder político escrutinado que não enfraqueça o país; uma contenção governamental nos gastos, nas receitas, nas acções, nas declarações prestadas e nos objectivos propostos. Porque um Estado forte e soberano é um Estado cujos governantes exercem um poder previamente limitado e devidamente escrutinado. Infelizmente, em Portugal não temos isto e por isso o PS atingiu uma preponderância indesejável numa democracia saudável.

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