A quem pintou o quadro “Paisagem e Casario,” a quem escreveu o romance sobre a guerra colonial, e a quem compôs o bailado “Globalmente Aquecido” chamamos autores, num sentido específico. Distinguem-se dos agentes num sentido inespecífico, que são quem abre a janela, mata o porco, arranja o fusível, ou vai às compras. Um autor no sentido específico também é um agente; mas não parece que todos os agentes sejam autores em sentido específico.

Há diferenças. Ao contrário de quem mata porcos e abre janelas, que não pensa muito nisso, os autores sabem que são autores: juntam-se em sociedades e conversam entre si. Falam em público sobre quem são, e sobre os seus trabalhos; e fazem recomendações sobre coisas que não têm a ver com a sua actividade principal. Não é raro o autor de um romance dar conselhos sobre o arranjo de fusíveis, e suscitar curiosidade sobre como irá às compras.

Outra diferença é que não existem sociedades para as pessoas que sabem abrir janelas, arranjar fusíveis ou ir às compras; matar porcos não é em geral motivo para associação. Uma terceira diferença importante é que os viúvos e as enteadas de quem abre janelas com proficiência não beneficiam postumamente do talento do seu parente; mas os viúvos e as enteadas do autor do bailado “Globalmente Aquecido” beneficiarão durante várias décadas do uso que lhe for dado.

A justificação mais frequente para estas diferenças parece ser a de que é mais fácil não se ser autor que ser-se autor; e que prestamos atenção a recomendações de autores porque eles conseguem fazer coisas que não somos capazes de fazer. A justificação no entanto não pode ser sempre verdadeira. Há mais pessoas capazes de escrever bons romances sobre a guerra colonial do que pessoas capazes de matar um porco em condições.

Um autor disse uma vez que tudo o que fica é criado por autores. Parece também exagerado. O que fica do porco depois de morto não é de natureza diferente do que fica depois de alguém pintar “Paisagem e casario.” E o que fica de “Globalmente Aquecido” depois de dançado não é de natureza diferente do que fica depois de alguém abrir a janela. No primeiro caso, ficam coisas que subsistirão durante algum tempo; no segundo, tudo acaba quando se acaba de fazer o que se fez.

Um autor num sentido específico é apenas um agente admitido numa sociedade de autores. A sociedade de autores não é como a Liga dos Ruivos, onde só é admitido quem tiver certas características; mas como um seguro de vida, onde basta estar vivo para se ser candidato plausível a uma apólice. Não há razões sérias para quem vai às compras, arranja fusíveis, abre janelas ou mata porcos não se poder candidatar à sociedade de autores. Poderá assim melhor falar em público sobre si próprio, beneficiar os viúvos, e dar conselhos sobre outras coisas.

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