Não, não é verdade que vivamos depressa. Que o mundo, seja, hoje, mais frenético e mais exigente. E que tudo isso nos faça não ter tempo. Nunca ter tempo! Nem para a pessoa com quem decidimos dividir a nossa vida. Nem para os nossos filhos, como todos nós queríamos. Nem, sequer, para nós e para os nossos desejos. E, muito menos, para vivermos a vida; simplesmente. Nós temos tempo! Só que o usamos mal. Ou, talvez melhor, perdemos tempo. Mais vezes do que devíamos.

Porque é que o tempo nunca nos parece chegar? Porque escolhemos mal aquilo que fazemos com o tempo. Porque queremos tudo! E porque escolher, com critério, aquilo que queremos fazer com ele nos leva a reconhecer, implicitamente, que não temos o tempo todo. Para sempre. O que, por outras palavras, acaba por querer dizer que, um dia, vamos morrer. Mesmo que isso, aos olhos dos nossos desejos, seja uma absoluta perda de tempo.

Vendo bem, ganhamos tempo sempre que olhamos para nós e reconhecemos falhanços e perdas. E vergonhas. E medos. E o pó dos dias que se acumula e que nos atrapalha. E todas as coisas que fizeram com que, em muitas alturas, aprendêssemos a matar o tempo. Como se ele fosse demais e não tivéssemos nada para fazer com ele. Quando, vendo bem, ganhamos tempo quando desenhamos mudanças na nossa cabeça. E lutamos por elas. Na verdade, só não temos tempo quando nos falta a humildade para nos transformarmos. É isso que todos nós, uns mais do que outros, acabamos por fazer. Procrastinar a vida. Não lhe reconhecer a importância devida para “parar” e a pensar.

Não é verdade que o tempo tudo cure. Porque isso quer dizer que, em vez de vasculharmos todas as contradições que nos doem (mas que, ainda assim, nos fazem crescer, quando as pensamos), pomos sobre os ombros do tempo a oportunidade de solucionar aquilo que evitámos resolver. Mesmo que a “cura” do tempo, de que tanto esperamos, seja esquecer. Que é tudo aquilo que não é possível, felizmente. Mas, se fosse, faria da vida uma perda tempo. Porque viver sem retirar as consequências daquilo que se vive não é viver. É passar pelo tempo sem o aproveitar. Crescer a olhar para trás e crescer sem olhar para trás. Eis o dilema de todos de nós quando o tempo nos prende no passado ou quando o passado nos ameaça ou nos persegue.

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Mas o que mais me inquieta é que não somos só nós, as pessoas crescidas, que passamos pelo tempo de modo apressado. A forma como não nos damos tempo condiciona o tempo que reconhecemos ser indispensável para os nossos filhos crescerem. Nós damos tempo aos nossos filhos para serem bebés. Quando eles são muito pequeninos… Mas já não lhes damos tanto tempo assim para as crianças serem crianças e para crescerem. Hoje, são cada vez mais as mães que descrevem os seus filhos de 8 anos como se fossem pré-adolescentes sem de darem conta que a “idade parva” da adolescência de muitos deles será mais aos 16 que aos 12. Quanto mais precoces eles parecem de mais tempo precisam para crescer. É mais assim que tudo acontece. E quanto mais fontes de informação as crianças têm de mais tempo precisam. E quanto mais tensos somos com o seu crescimento, de mais ainda necessitam. Será que lhes damos tempo para crescer de acordo com aquilo que todas elas precisam ou, num mundo cada vez mais atento à ecologia e ao “bio”, não deixa de ser de uma ironia desconcertante querê-las a crescer bem, de forma apressada e muito depressa, fazendo com o seu crescimento “crianças de aviário” em vez de elas serem, simplesmente, crianças “só” felizes? Qual é a surpresa das surpresas, num mundo “sem tempo” e de pais hiperactivos? Que a maioria das crianças pareça não ter tempo para viver (devagar) a sua infância? Não! Surpresa, isso sim, é que, apesar de tudo, as crianças insistam em ser crianças.

Porque é que as crianças “passivas” não me incomodam por aí além? Porque a sua passividade não é uma recusa de irem por diante, olhos nos olhos, com a vida. Mas uma resistência à hiperactividade que lhes impomos. Que não lhes dá, sequer, o direito de hesitar. Não, não são as crianças que são hiperactivas. Somos nós. Que, para além do mais, diante da nossa agitação, as queremos quietas e caladas. Aliás, não há maior passividade do que sermos hiperactivos diante de tudo aquilo que a vida nos dá a pensar. Até que ponto é que uma sociedade do frenesim permite o espanto? Não permite! Tanto frenesim torna tudo efémero mesmo antes de ser vivido. Tanto frenesim empurra-nos — só nos empurra! — para o impulso. Nunca para o desgostar.

Não é, pois, verdade que sejamos vítimas de um tempo inclemente. Que não olha por nós e nos protege. Que não nos bafeja com a sorte. Claro que a vida nos prega partidas! Não porque zombe de nós. Mas porque, aos olhos de quem está habituado a não ser “apanhado” nem pelas mudanças do tempo, a vida, que é uma constante fonte de arranjos e de imprevistos, perde o seu lado previsível e nos apanha de surpresa. Ora, será outra coisa que não seja surpresa e espanto? E será, quando ela deixa de ser assim, que estaremos seguros (e na nossa “zona de conforto”) ou, pelo contrário, estamos a ser tão perigosamente engolidos pelo frenesim que aquilo que parece seguro é, finalmente, o que nos incapacita para tirar da vida tudo aquilo que ela tem para nos dar?

É o frenesim diante do qual nos rendemos, como se ele fosse uma imagem de marca do nosso tempo, quem nos arrasa. Frenesim é excitação e impaciência. É agitação e alvoroço. Frenesim é hiperactividade. De compromissos. De fontes de informação. De tempos que concorrem uns com os outros. Frenesim é fazer, freneticamente, por reagir. Sem tempo nem sequer para pensar. Frenesim, ao contrário do que parece, não é viver intensamente. E de alma cheia. É o frenesim que nos leva a adiar a vida para quando tivermos mais tempo. Para quando ela nos der tempo. Ora, são as escolhas que dão tempo ao tempo. Aliás, todo o conhecimento é uma escolha. Menos quando não nos damos tempo para pensar.

A vida é uma questão de tempo! Contemplar a vida é abrir-nos ao espanto. O que nos falta, então, é insubordinarmo-nos diante do frenesim. Dar-mo-nos tempo! É fechar os olhos para se ver mais longe. É parar, por uns instantes, para andar mais depressa.