À entrada para o congresso do PS, havia um candidato que se tinha afastado, duas candidatas a candidatas e outro em silêncio, ao mesmo tempo que o aparelho do partido se esforçava por convencer-nos de que a sucessão de António Costa era um não-assunto. Foi o próprio que relançou o tema para a discussão pública, em entrevista ao Expresso, e poucos saberão – saberá alguém? – o que se passa na cabeça do secretário-geral do PS, muito menos dos planos que terá quanto ao seu futuro europeu.

Até porque o ano de que se fala é 2023, altura em que Costa termina o mandato como secretário-geral e estão previstas eleições legislativas. O próprio não põe de parte a recandidatura aos dois cargos – algo em que terá de reflectir internamente, com a família e só depois com o partido –, portanto poderá só dar entrada aos papéis para a reforma em 2027.

Além disso, tem o desejo íntimo de estar no poder no momento em que Portugal comemore os 50 anos do 25 de Abril, algo que só acontecerá em 2024. Foi para isso que nomeou Pedro Adão e Silva para celebrar a efeméride, celebrações essas que se iniciam já no próximo ano – no dia em que tivermos mais dias em democracia do que tivemos em ditadura – e se estendem até 2026, altura em que se celebram os 50 anos da entrada em vigor da Constituição da República, das primeiras eleições legislativas, das primeiras regionais, autárquicas e presidenciais em democracia. Não fará muito sentido, por isso, que António Costa não esteja presente.

Enquanto nos deixa a adivinhar, alimentando a narrativa de que a sua sucessão é um não-assunto, Costa vai lançando nomes para a discussão, numa clara manobra de diversão, enquanto faz por dificultar ao máximo a vida a Pedro Nuno Santos, aquele que é o mais bem preparado para conquistar o poder dentro do Partido Socialista… e quem António Costa menos quer à frente do partido.

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António Costa fica não só porque falhou o tão ambicionado cargo europeu, em 2019, mas também porque percebeu que, saindo, o Partido Socialista partir-se-ia sob a liderança de Pedro Nuno Santos, um político da ala mais à esquerda. Daí a importância da retórica de que é António Costa quem mantém o partido unido e em paz de espírito.

Se há dois anos se falava de um duelo – entre Pedro Nuno Santos e Fernando Medina, com Ana Catarina Mendes a espreitar –, entretanto entraram definitivamente ou foram empurradas para esta corrida a líder parlamentar, Mariana Vieira da Silva e Marta Temido.

O candidato que se tinha afastado

Fernando Medina colocou-se fora da corrida a secretário-geral para se dedicar, por inteiro, à Câmara Municipal de Lisboa, em caso de vitória, o que as recentes sondagens indicam que acontecerá e de forma folgada. Até 2025, Medina não é candidato a nada dentro do PS.

A um mês das autárquicas, seria de estranhar que Medina não concentrasse os seus esforços na campanha eleitoral. Falar de outra coisa que não Lisboa não o faria perder as eleições, mas custar-lhe-ia votos. Está numa corrida contra o tempo para limpar a própria imagem, principalmente depois do #RussiaGate, e parece estar a ganhá-la. Para isso, criou uma imagem da capital como exemplo de como apenas o PS tem um projecto para o país, para lutar contra a direita “austeritária” e a extremista.

Ao focar-se na habitação – algo em que falhou durante o seu primeiro mandato completo – e nos transportes públicos, nomeadamente no sistema ferroviário, Medina escolheu duas áreas tuteladas por Pedro Nuno Santos. Uma provocação em que saberia que não iria levar resposta, pelo menos para já.

Apesar de estar, para já, oficialmente fora da corrida, Medina quis mostrar que, apesar de não ter bases consigo, ainda tem uma palavra a dizer dentro do partido e quis deixar bem claro que não é apenas mais um delfim – e o preferido – de António Costa, que o deixou como sucessor na Câmara de Lisboa.

A prometida surpresa é que nem vê-la. Mais uma promessa socialista não cumprida.

As candidatas a candidatas

Ana Catarina Mendes está na corrida à liderança como putativa candidata. Se no início se conjecturava que seria ela ou Fernando Medina quem avançaria da ala “costista”, rapidamente se percebeu que Ana Catarina Mendes está a correr em pista própria e é quem mais beneficia do recuo do autarca de Lisboa.

António Costa abriu a possibilidade de o PS vir a ter uma mulher como líder – é o único grande partido que ainda não teve –, como que a legitimar as aspirações da líder parlamentar à liderança do PS. Afinal, Ana Catarina Mendes é, à excepção de Pedro Nuno Santos, aquela que terá mais influência dentro do aparelho socialista, face à restante concorrência. Faltam-lhe apenas as bases.

Fez um discurso para agradar aos militantes: levantou novamente o fantasma da direita austeritária – escolhendo ignorar o que levou a que essa austeridade fosse necessária, algo transversal a várias intervenções no congresso –, atacou a esquerda à esquerda do PS por não ter querido partilhar o risco da gestão da crise e apontou à “maior vitória de sempre do PS” nas autárquicas. Foi o suficiente para galvanizar o Portimão Arena, deixando vivas as hipóteses da sucessão.

Já Mariana Vieira da Silva ganhou protagonismo no Governo durante o combate à pandemia, ao liderar as conferências de imprensa no final dos recorrentes Conselhos de Ministros. Excepção feita aos momentos em que houve boas notícias para anunciar, altura em que foi substituída no exercício de propaganda pelo Primeiro-Ministro. Quando António Costa foi de férias, foi a Ministra da Presidência que ficou como primeira-ministra em exercício, em jeito de teste para provar se teria estofo para eventualmente substituir Fernando Medina como candidato “costista”.

Coube-lhe apresentar, no congresso, a moção do secretário-geral, pecando na execução que apenas fez ressoar o (bom) soundbyte: “Só o PS tem António Costa”. Mas a verdade é que é Mariana Vieira da Silva quem também só tem António Costa.

Todo o discurso foi, sem surpresas, em torno de António Costa, à excepção dos elogios a Marta Temido, quando ainda não contava que a Ministra da Saúde fosse lançada para a corrida. Mariana Vieira da Silva é uma invenção do Primeiro-Ministro. Pode até ser a nova preferida para a sucessão, mas, pelo que se viu em Portimão, apenas existirá politicamente enquanto Costa estiver à frente do partido.

A nova candidata de Costa

Marta Temido foi, como seria esperado, um dos nomes mais elogiados e aplaudidos do congresso. Com o pior da pandemia para trás e o processo de vacinação quase concluído, foi a hora da consagração da Ministra da Saúde, recém-militada no partido. Apesar de ter os próximos dois anos para fazer o seu caminho dentro do Partido Socialista, não será, no entanto, mais do que outra manobra de distracção de António Costa, que se regozija por lançar ainda mais confusão e enigma numa corrida que é uma maratona e nem todos terão o fôlego necessário para cortar a meta.

Foi lançada na corrida por António Costa já depois de ter recebido, com pompa e circunstância, o cartão de militante das mãos do secretário-geral, e a própria não colocou de parte quando confrontada directamente com a hipótese. Não fora a apetência de Costa para semear o caos, seria uma candidatura a levar em consideração, principalmente pela maneira como arrancou aplausos da plateia no seu discurso, algo que Mariana Vieira da Silva não conseguiu sobremaneira.

Está ideologicamente mais perto de Pedro Nuno Santos do que de António Costa, mas é mais contida, menos arrogante e, apesar do histórico da pandemia, mais flexível a acordos ao centro. Apesar de improvável, não seria difícil imaginar Pedro Nuno Santos como secretário-geral e Marta Temido como sua adjunta.

Até 2023, terá tempo para se afirmar dentro do partido, se assim o entender. Numa altura em que tanto se fala, em surdina, da remodelação do Governo, Marta Temido é um dos nomes na calha para abandonar o executivo. Foi eleita deputada, todo este destaque criado em seu torno servirá para elevar o seu perfil dentro do grupo parlamentar e a liderança do GP não será de descartar.

O candidato em silêncio

Finalmente, Pedro Nuno Santos. O enfant terrible do PS apurou a estratégia e remeteu-se a um silêncio quase ensurdecedor. Sabia que, se não falasse, as pessoas falariam. Se falasse, falariam também. Chegou com uma hora de atraso. Foi chamado para a mesa do congresso – um convite e uma cortesia de António Costa – e não estava presente. Mesmo sem falar, com os atrasos e as provocações trocadas entre ambos, grande parte do congresso girou em torno de Pedro Nuno Santos.

Com esta atitude, a mensagem para António Costa foi bastante clara: “Tu não queres que eu fale, mas as bases querem falar comigo, a comunicação social quer falar comigo, toda a gente quer falar comigo”.

Pedro Nuno Santos percebeu, logo em 2019, que muita água ainda há de passar pelo moinho até que a questão da sucessão de António Costa se coloque. Com o recuo de Medina na corrida e os “aparecimentos” de Mariana Vieira da Silva e Marta Temido – que só irão roubar espaço dentro do PS a Ana Catarina Mendes e Fernando Medina –, o Ministro das Infraestruturas fez bem em remeter-se ao silêncio. Costa bem tentou provocá-lo, ao mesmo tempo que tentava diminuir a sua credibilidade dentro do partido, mas não ficou sem resposta. Pedro Nuno Santos está na corrida e está e toda a gente o sabe.

Enquanto Ana Catarina Mendes se remetia ao seu discurso e deu a ocasional entrevista ao Observador, Pedro Nuno Santos privilegiou o contacto com as bases, com os militantes que lhe dão os votos de que vai precisar, tirava selfies e continuava a alimentar a polémica em torno do silêncio. Pedro Nuno Santos nunca está em silêncio, como recordou Miguel Costa Matos, e a verdade é que passou o congresso a falar com quem mais lhe interessa.

Pedro Nuno Santos está a jogar num tabuleiro acima dos restantes adversários na corrida à sucessão de António Costa e deu uma lição de como fazer política a quem quer que venha a chegar-se à frente na corrida ao lugar do Primeiro-Ministro.