No passado mês de Agosto, o norte-americano Instituto Charles Koch promoveu uma mesa redonda com alguns dos nomes mais reputados e proeminentes do mundo académico americano, no pensamento do Realismo Político em Relações Internacionais.

O Instituto Koch é uma iniciativa dos irmãos Charles e David Koch herdeiros da fortuna da segunda maior companhia americana, as Koch Industries. Juntos eles são dos maiores patrocinadores de eventos e fundações dedicadas ao pensamento político e à filantropia – na sua maioria de índole conservadora mas também ocasionalmente libertária. Muito criticados na esquerda americana, os Koch são acusados, juntamente com pessoas como o multimilionário Sheldon Adelson, de distorcerem o processo democrático americano com o seu patrocínio de candidatos republicanos. Apesar de patrocinarem candidatos centristas, é importante ter em consideração que durante as primárias americanas deste ano, o senador Rand Paul – favorito da fação libertária dos Republicanos – foi um dos prediletos dos irmãos, nomeadamente pelas suas posições em política externa e justiça criminal.

Várias iniciativas têm sido lançadas pelos irmãos Koch no sentido de influenciar a política externa americana num rumo menos intervencionista mas recentemente destacam-se várias conferências co-organizadas com o Center for the National Interest, entre as quais esta de Agosto. Entre os vários tópicos discutidos, é de especial pertinência para Portugal analisar como os académicos reunidos ajuízam a política norte-americana para com a NATO e a Rússia, assim como Portugal se posiciona atualmente nos mesmos pontos.

NATO

Entre os académicos convidados esteve Michael Desch, crítico do que ele vê como a influência do pensamento idealista do Presidente Woodrow Wilson – famoso por advogar a criação da Sociedade das Nações e o principio da auto-determinação dos povos – no intervencionismo norte-americano. De acordo com Desch, a NATO caracteriza-se atualmente por ser um ‘zombie’: a organização sorve recursos materiais e financeiros mas também aumenta o risco moral para os EUA, sendo integrada por países que têm pouco a oferecer a Washington.

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No painel o consenso gerou-se em torno da eventual saída dos EUA da NATO pois os Europeus, sendo economias abastadas, têm hoje todas as condições para assumirem os seus próprios compromissos de segurança. De forma contraproducente, depois da Guerra Fria procurou-se encontrar um objetivo para a Aliança, transformando a organização de um meio, para um fim em si mesma.

O Professor Barry Posen, tem ele também vindo a defender que os gastos militares dos EUA são exagerados, considerando as ameaças potenciais que poderá enfrentar no futuro. No tópico da NATO ele chamou a atenção para as diferenças de expectativas entre Europeus ocidentais e orientais no que respeitava à expansão da NATO para o leste Europeu. Enquanto que o objetivo para ocidentais era meramente fazer expandir a ‘comunidade Atlântica’ de valores para leste e derradeiramente incluir a Rússia, para os orientais o objetivo teria sempre sido conquistar garantias de segurança concretas para dissuadir os russos.

Rússia

No tópico da Rússia, Eugene Gholz – igualmente um proponente da repatriação das forças americanas da Europa e do mundo – argumentou que a Rússia não pode ser equiparada com a URSS em termos de ameaças, pois enquanto que os EUA mantêm a capacidade de projetar poder para as fronteiras Russas, essa capacidade não é recíproca. O painel concordou ainda que os EUA retiram pouco ou nenhum benefício em confrontar a Rússia na sua área de influência e que os interesses nacionais russos deveriam ser tidos em conta nas considerações dos EUA e seus aliados, sobretudo porque os interesses vitais de ambas as potências, em pouco ou nada são incompatíveis.

Estiveram também presentes Stephen Walt e John Mearsheimer, controversos por terem publicado em conjunto, um estudo denunciando a influência desproporcional de que Israel goza no panorama de política externa dos EUA. No que respeita aos problemas atuais, o Professor Mearsheimer observou que estes foram auto-infligidos pois aquilo que divide os EUA e a Rússia são tensões com aliados americanos do leste europeu, que não existiriam se os EUA não tivessem feito questão de alargar a sua esfera de hegemonia liberal até às fronteiras Russas. O painel encontrou ainda consenso na observação de que o entendimento entre a Rússia e a China não existiria se não fosse o ativismo Americano.

Christopher Preble do Cato Institute e Andrew Bacevich, ambos céticos da eficácia do poder transformador do poder militar Americano, aludiram ainda à falta de compreensão que os decisores políticos têm da lógica de Carl von Clausewitz, de que a guerra serve fins políticos e não é uma solução em si própria. O poder militar não tem a capacidade de solucionar problemas sem solução política.

Pensamento Estratégico em Portugal

A diminuição da fé americana na NATO é uma tendência contínua: a administração Obama planeava chegar a acordo com a Rússia sobre o Leste (o ‘Reset’) e reorientar a política externa para o Extremo Oriente (o famoso ‘Pivot’); Donald Trump defende as mesmas prioridades, ainda que com outra retórica.

Não obstante, o ministro Azeredo Lopes tornou claro que “ninguém questiona a NATO e a sua relevância matricial na garantia da nossa segurança”. O Ministério da Defesa compreende de facto que Portugal terá que apostar mais em capacidades, nomeadamente para atingir o patamar dos 2% do PIB em investimentos na Defesa. Mas em nome do quê?

Para o ministro da Defesa, as prioridades de ação situam-se a leste e a sul: “a leste, porque imediatamente nos convocam as agendas de atores como a Rússia, a Ucrânia e, já entre nós, da Polónia; e a Sul, porque somos chamados a assumir responsabilidades pelas vítimas do conflito sírio e do Daesh e porque a isso nos obriga a própria visão do Conselho de Segurança e a nossa defesa em sentido estrito, mas também pelo desenraizamento que a pobreza e a desesperança provocam no continente africano”.

No entanto, a Rússia deixou de ser uma prioridade para grande parte da direita Americana, começando pelo próprio candidato presidencial Donald Trump. Suportaria a UE destacamentos contínuos no Leste, desde o Báltico ao Mar Negro? Seria no mínimo trabalhoso para países como França, por exemplo, manter simultaneamente destacamentos em África e no Leste. E para Portugal?

Atualmente os nossos compromissos levam-nos a destacar meios navais para a Frontex, para a NATO (em mais do que um teatro de operações e para exercícios navais), para outras missões da UE no quadro da PCSD e, por vezes, para missões exclusivamente nacionais e/ou bilaterais. A Força Aérea, com cada vez menos meios, enfrenta pressões semelhantes. Seria este ritmo sustentável levando em conta uma menor disponibilidade de apoio operacional e logístico americano?

Azeredo Lopes afirmou também que pretende “manter e consolidar” as Forças Nacionais Destacadas (FND) e prosseguir uma “aposta no sistema multilateral” das missões realizadas no âmbito das Nações Unidas, considerando que as mesmas se assumem como “um retrato forte daquilo que é a política nacional externa”.

Num contexto de retrenchment (ou redução da projeção de poder pelo mundo), da parte de todo o mundo ocidental, será sensato fazer depender a estratégia nacional de organizações multilaterais variadas?

O ministro já demonstrou lucidez em reconhecer debilidades na conjuntura atual: “ficámos entusiasmados, de forma algo ingénua e às vezes a um ponto quase inexplicável, perante alegadas primaveras democráticas que depois nos desiludiram”, é necessário “impedir que se proclamem como europeias várias e dispersas políticas externas e de segurança” – o que indica que existe a consciência no Ministério de que é isso que tem sido feito até aqui. Ainda que muito se fale da nova Estratégia Global da UE, esta prossegue o exercício de tentativa de harmonização dos interesses dos 27. Concretizável?

Muitos analistas concordam que urge repensar o conceito estratégico nacional. Dever-se-ia acrescentar que esse exercício deve reconsiderar não apenas as soluções mas também os pressupostos.

Licenciado em Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa, mestre em Estudos Europeus pelo Colégio da Europa em Bruges e investigador na companhia Wikistrat Inc., tendo escrito para publicações como The National Interest, European Geostrategy ou o Jornal de Defesa e Relações Internacionais. Trabalhou previamente para instituições como o Tribunal Penal Internacional, o Serviço Europeu de Ação Externa ou a Organização para a Proibição de Armas Químicas.