Desde o início do ano, a França ocupa a presidência rotativa do Conselho da União Europeia. O momento não é ideal, na medida em que essa presidência interseta a campanha para as presidenciais de abril, o que faz com que haja uma remota possibilidade de a presidência arrancar com alguém como o presidente Macron e terminar com alguém como Marine Le Pen.

Não obstante, a presidência acontece também no momento em que a França tenta aproveitar a troca de governo na Alemanha para acelerar um novo equilíbrio de forças e influências na política europeia. Macron não tem uma visão propriamente inovadora da União Europeia, muito menos num país como a França, mas soube posicionar-se como um líder europeu ainda antes de vencer qualquer eleição e este seria o ano ideal para avançar os seus objetivos.

Atendendo às ambições do homem e do país para 2022, foi curioso ver como a presidência francesa da União Europeia arrancou com uma das mais bizarras polémicas dos últimos anos. A história conta-se facilmente: para comemorar a efeméride, o governo decidiu colocar uma bandeira da União Europeia no Arco do Triunfo. As candidatas presidenciais da direita, Valérie Pécresse e Le Pen, não gostaram da imagem e procuraram lembrar que a presidência da União Europeia não deve implicar o apagamento da identidade nacional. Surpreendentemente, o governo europeísta concordou e rapidamente removeu a bandeira.

Mais do que um fait divers, o caso força um argumento sobre a temperatura da União Europeia para 2022, ano em que nem o presidente decididamente europeísta da França consegue levar uma bandeira europeia para um monumento nacional. Curiosamente, para defender a ideia, o governo francês começou por lembrar como, da última vez que a França ocupou a presidência rotativa, em 2008, o presidente Sarkozy tinha conseguido colocar no mesmo local a bandeira europeia junto à francesa sem gerar qualquer comoção.

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O que parece ter escapado a esse argumento, mas já não à realidade que viu a bandeira ser recolhida, é que esta União não é a mesma, não é percecionada como a mesma de 2008. O que a ideia da bandeira recolhida vem mostrar de novo é que o tempo do consenso europeísta terminou e foi substituído por uma convivência incómoda, em que a União subsiste menos como um projeto político em expansão do que como uma complexa relação burocrática, normativa e financeira em relação à qual não é realisticamente possível escapar.

A noção de que o fulgor dos grandes projetos acabou ficou ainda ilustrado no grande acontecimento da semana: o vigésimo aniversário do euro. Era preciso estar muito distraído para ter deixado escapar a ocasião, que não mereceu o habitual tratamento hagiográfico com que Bruxelas tenta criar símbolos e mitos europeus. Com exceção do alargamento a Leste em 2004, a adoção da moeda única foi o último grande projeto europeu, a última vez em que pôs em prática uma ideia concreta e arrojada de integração ambiciosa e de inclinação federalista.

Os anos difíceis da moeda única, de crises sucessivas e existenciais, justificam comemorações modestas, mas também pediam que se fizesse o debate que ficou por fazer no final do século passado. As últimas duas décadas criaram derrotados da integração europeia, Estados-Membros para os quais a ideia de convergência económica se tornou irrealista. Parece pouco sensato defender que os problemas de países como Portugal, Grécia ou Itália se devem apenas ao euro, mas é importante considerar o que poderiam ter sido estes anos com flexibilidade monetária em vez da ancoragem a Frankfurt e a uma ideia de Europa que todos os dias parece mais desatualizada.

Na bandeira, como no euro, a União Europeia parece condenada a enfrentar agora as consequências de avanços precipitados, num momento de otimismo que hoje não reconhecemos e muitas vezes rejeitamos. A partir do momento em que, até para a França, a bandeira europeia surge como ameaça, é preciso reconhecer que há um conceito de União que talvez já não regresse e é preciso adaptar o que sobra. Caso contrário, é melhor esperar pelo dia em que as bandeiras europeias possam ser vistas no Louvre, ao lado de outros artefactos históricos.