Faço parte do Conselho Consultivo da Unidade de Missão para a Valorização do Interior (UMVI) e, também, da Comissão de Acompanhamento da reforma da PAC. Nessas duas condições, e no preciso momento em que se discute a preparação do quadro financeiro plurianual para o período 2020-2027, quero exprimir alguns pontos de vista sobre o tema da valorização do interior que, obviamente, são da minha inteira responsabilidade.

O paradoxo do interior

O interior vive “entalado” entre o excesso de localismo e o excesso de centralismo e experimenta o chamado dilema do prisioneiro. Por um lado, a municipalização garante a proximidade aos munícipes e a distribuição dos pequenos poderes político-partidários, mas a sua pequena dimensão não assegura economias de escala e aglomeração com dimensão suficiente para inverter o ciclo de despovoamento e desertificação. Por outro lado, a administração central está numa posição aparentemente confortável na medida em que lhe permite configurar e gerir a administração regional desconcentrada da forma mais conveniente e dialogar com os municípios em posição quase sempre vantajosa. Sempre que se discute um novo período de programação de fundos europeus os compadres do país político voltam a reunir-se e uma nova edição do país bipolar, centralista e localista, tem lugar. Neste contexto, vejamos alguns tópicos de discussão sobre a valorização do interior.

A valorização do interior

Em primeiro lugar, antes de ser agrícola, florestal ou rural, o enquadramento correto do problema da valorização do interior deve ser colocado nos planos territorial e regional, isto é, no nível NUTS II.

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Em segundo lugar, para dar consistência política a todo o exercício e criar uma cadeia de comando efetiva, deve ser criado o Ministério do Planeamento e Administração do Território (MPAT) e uma comissão interministerial para o mesmo efeito, como, de resto, já aconteceu no primeiro governo do Eng. António Guterres.

Em terceiro lugar, é necessário criar um pivot regional que tenha centralidade e racionalidade suficiente, de tal modo que o foco da política seja colocado no “regime das CCDR”, intensificando e melhorando a sua “coordenação e desenvolvimento” territorial e regional.

Em quarto lugar, deve discutir-se se o nível NUTS III/CIM é um nível de pertinência adequado para a gestão integrada dos instrumentos de política do território e para a descentralização das competências respetivas; em alternativa, pode discutir-se se o distrito tem ainda alguma pertinência para levar a cabo essa gestão do território (ver Público, cidades distritais inteligentes, 7 de Março 2018).

Em quinto lugar, deve discutir-se, no novo contexto territorial, se as estratégias de desenvolvimento local dos Grupos de Ação Local (GAL), traduzidas em programas de desenvolvimento local de base comunitária (DLBC) mantêm toda a sua pertinência e aderência ao território, pelo menos no atual formato.

Em sexto lugar, a centralidade do regime de coordenação e desenvolvimento das CCDR deve implicar a criação de um conselho executivo regional, um serviço regional de planeamento e administração do território e equipas de missão multi-serviços para a gestão das comunidades intermunicipais (CIM) e/ou das comunidades distritais (CD).

Em sétimo lugar, os programas de desenvolvimento territorial das CIM e/ou das CD e outras plataformas territoriais deverão serão objeto de “contratos de desenvolvimento territorial” e dotados de subvenções globais para o efeito.

Em oitavo lugar, o modelo dos “silos setoriais” despejando medidas avulsas para cima dos territórios está esgotado; os territórios precisam de inteligência coletiva, emocional e racional, e da criatividade dos cidadãos por meio de plataformas de inovação participativa e colaborativa.

Em nono lugar, os territórios locais e regionais correm o sério risco de ser capturados por algoritmos, servidores e templates atuando à distância e praticamente invisíveis; este facto é um alerta e deve ser usado para reforçar a sua representação política, designadamente através de um grande programa de descentralização político-administrativa.

Em decimo lugar, a inovação territorial não pode ser reduzida à informática de gestão e administração; é necessária uma nova cultura de ordenamento urbanístico com relevo para as redes de pequenas e médias vilas e cidades do interior no que diz respeito ao seu autogoverno, em formatos socioinstitucionais inovadores como são a economia dos contratos, das convenções, dos clubes e dos territórios-rede; de resto, a economia local e regional não pode ser reduzida a uma sucessão de eventos, é necessário que esses eventos sejam integrados em “atos orgânicos” de estruturação longa da economia local e regional.

As grandes opções para a valorização do interior

Os territórios são construções longas e delicadas que atravessam muitas vicissitudes e contrariedades. O seu capital social é fruto dessa história vivida e dessa sociabilidade histórica muito particular e é dessa experiência histórica concreta que se geram, emergem e estruturam os recursos de um território. Por maioria de razão, na sociedade do conhecimento em que vivemos os novos problemas emergentes devem-se, em boa medida, a um défice de conhecimento. Por isso nós dizemos, os territórios não são pobres, estão pobres. Num plano mais metodológico, não é difícil elencar algumas opções de investimento disponíveis para a valorização do interior; mais uma vez, tudo depende da “unidade e da voz de comando” e do modo como for concebido o “sistema operativo” respetivo. Eis as principais opções:

  • Em primeiro lugar, podemos optar por “pequenos investimentos cirúrgicos de reposição” tendo em vista repor equipamentos, infraestruturas, serviços e empresas que foram destruídos pelos últimos acontecimentos;
  • Em segundo lugar, podemos optar por reforçar uma “rede de vilas, cidades pequenas e médias do interior” tendo em vista consolidar a sua malha, aumentar os seus efeitos de aglomeração e, portanto, a sua área de influência;
  • Em terceiro lugar, podemos optar por um “plano de infraestruturas de rede”, por exemplo, a renovação da ferrovia, o reforço da rede de barragens, o saneamento das bacias hidrográficas, o melhoramento da rede rodoviária, a ligação dos centros hospitalares, a renovação do parque escolar;
  • Em quarto lugar, podemos optar pela instalação de uma “rede digital de alta velocidade”, acabando com esta discriminação territorial e assim contribuindo para a smartificação dos territórios do interior;
  • Em quinto lugar, podemos optar por “investimentos agroambientais e agroflorestais de ordenamento do território”, tendo em vista reduzir os riscos ambientais e climáticos destes territórios;
  • Em sexto lugar, podemos optar por um “sistema de incentivos fiscais e financeiros às empresas” que se queiram instalar nos territórios do interior e que são variáveis com o número de empregos criados;
  • Em sétimo lugar, podemos optar pela prioridade ao “turismo de vilas e aldeias”, às suas redes e valorização dos seus sinais distintivos territoriais, tendo em vista atrair novos residentes e visitantes;
  • Finalmente, e porque todas estas opções não são exclusivas, podemos sempre optar por um mix de todos estes instrumentos de intervenção territorial.

É, de resto, na composição deste mix instrumental que está o segredo da estratégia de desenvolvimento territorial, uma vez que não há utilities sem smartificação, que não há consolidação das áreas de influência sem o reforço das redes urbanas, que não há gestão do risco sem planos verdes, que não há investimento empresarial sem o reforço da economia de visitação e residencial. Este inventário de opções de política dirigido à valorização do interior serve apenas para ilustrar a minha tese inicial de que “Os territórios não são pobres, estão pobres”, uma vez que é “a engenharia da nossa vontade”, traduzida em obra, que acaba por determinar o curso dos acontecimentos. A dificuldade, porém, reside no “combinado de opções”, no seu envelope orçamental e, especialmente, no sistema operativo de governação territorial.

Nota Final

A valorização do interior está na ordem do dia, mais pela força das circunstâncias do que por vontade política genuína. Em três escritos recentes (Público, 11 de janeiro, Público, 23 de janeiro e Público, 29 de janeiro) abordei o recém-criado Programa de Revitalização do Pinhal Interior (PRPI) e dois instrumentos de intervenção territorial que eu considero fundamentais para a valorização do interior, a saber, o laboratório colaborativo e o parque agroecológico municipal. Estas duas aproximações são, porém, meramente instrumentais e “concetualmente curtas” em relação ao muito que falta fazer. Numa aceção mais larga e mais longa, “valorizar o interior” significa colocar questões fundamentais e dar-lhes uma resposta apropriada, por exemplo: que modelo de desenvolvimento territorial, que escala e tipologia de bens e serviços, quais os beneficiários do novo modelo, qual o seu escalonamento temporal, que parcerias e modelo de financiamento, que papel para as tecnologias digitais, que modelo de governação do território?

O modelo de governação atual consagrou o país bipolar, é muito conservador e mantém a sua tradicional vocação clientelar. Dificilmente responderá às questões enunciadas anteriormente, mesmo que proceda aqui e ali a alguns pequenos ajustamentos.

Uma última referência à chamada “transição digital” que se imporá pela força do negócio digital. O centralismo político regozija-se com a transição digital, seja de Bruxelas ou das capitais, porque lhe facilita a “liquidez do sistema” e, portanto, a sua regulação territorial. De facto, o modelo de governança da sociedade digital avança a todo o vapor: em Bruxelas ou em Frankfurt o algoritmo-mestre do alto do panótico, nas capitais nacionais os servidores e seus templates, na província os dispositivos sensores e os olhos do governador. No final, a pergunta de sempre: como vamos ocupar o território?

  • Vamos ocupar o território com gente de carne e osso colocada in situ?
  • Vamos plantar dispositivos tecnológicos e digitais um pouco por todo o lado e esperar que eles debitem informação relevante nas nossas centrais de dados colocadas ex situ?

Não temos resposta para estas interrogações, resta-nos aguardar que haja bom senso quanto baste para encontrar o ponto de equilíbrio ecológico e digital mais apropriado a uma boa ocupação do território.

Universidade do Algarve