A questão do aborto foi colocada nas manchetes mundiais, fruto da discussão legislativa nos Estados Unidos. Antes de falarmos sobre este tema, devemos sublinhar algumas premissas, de forma a não aligeirar um assunto sério, nem transformar uma reflexão profunda em chavões superficiais e extremistas. Este não é um tema de esquerda contra direita, ateus contra religiosos, especialistas contra filósofos. É uma matéria sem juízos de valor, bem ou mal, preto ou branco. É um assunto de tal importância, que é dever de todos que nos coloquemos no lugar de quem defende uma coisa ou outra. No final, teremos de chegar a uma conclusão sem dúvidas: o aborto mata?

Se o aborto não mata, é natural utilizarmos expressões menos fortes, como “interrupção voluntária da gravidez,” porque será apenas um procedimento médico sem grande importância. Caso a mulher não esteja preparada, ou não queira ter um filho, tem todo o direito de extrair do seu corpo o que quiser. Não há outras implicações para a sociedade, além do custo para o sistema de saúde ou possíveis questões médicas de outra ordem. Se o aborto não mata, é de facto uma questão que só tem a ver com o corpo da mulher e deve ser discutido dentro de casa, sem dúvida. Se não há qualquer dúvida científica sobre não se tratar de um ser humano, nada mais há a dizer. Ponto final.

Agora, se o aborto mata, se implica finalizar a vida de um ser humano no seu início, a discussão também acaba aqui. É que em todos os países civilizados e em toda a evolução da humanidade até hoje, todos concordamos que a vida é um direito universal e inquestionável, e uma intervenção médica não pode matar propositadamente um ser humano independente e detentor de direitos básicos. Se for este o caso, a Carta Universal dos Direitos Humanos é firme e clara ao afirmar que “todo o ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança.” Quem entre nós, de esquerda ou de direita, liberal ou conservador, socialista ou capitalista, consegue dizer o contrário?

A questão fundamental é então saber quando se inicia a vida. Temos todos os meios científicos para chegar a uma conclusão inquestionável sobre este assunto, sem o mínimo da sombra de dúvida? Todas as ciências concordam sobre o momento ou semana de gestação? A resposta a esta pergunta é negativa: as conclusões são completamente dispares, caso estejamos a falar de genética, de biologia, de embriologia, ou de neurologia. Isto se queremos manter a discussão num nível sério, porque há outras ciências “alternativas” em que muita comunicação social se baseia para citar “especialistas.” Se há centenas de estudos de universidades e organizações sérias a dizerem que o aborto até às dez semanas mata e outras centenas a dizer o seu oposto, devemos acreditar naquilo que serve melhor esta ideologia ou aquela crença religiosa? Ou devemos fazer o que qualquer Estado de Direito defende: in dubio pro reo? Em caso de dúvida, o réu é inocente. Deve viver.

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