Desde a grande invasão russa à ucrânia que o mundo mudou. Este novo contexto internacional obrigou a Alemanha a alterar profundamente a sua política externa em relação ao mundo euroasiático, nomeadamente, na sua relação com a Rússia e China. O pragmatismo e proximidade que a Alemanha procurava ter nas suas relações com a Rússia, herdado da ostpolitik alemã, e que foi fomentado por Schroeder e Merkel, criou as dependências económicas e energéticas que puseram a Europa em risco. Vale a pena recordar que esta ostpolitik, a política externa de “aproximação” alemã perante a URSS, que tinha como objetivo o de evitar a escalada do conflito, tem uma longa tradição. A Alemanha concebeu por muito tempo que o seu papel em termos de política externa era ser o fiel da balança na relação dos EUA com a Rússia.

Foi neste contexto, que se justificou a importação de gás natural russo em grandes quantidades, o qual era defendido pelo seu baixo preço em comparação com a importação de GPL de outros países. Estas relações económicas eram consideradas como podendo trazer uma pacificação das relações entre a Rússia e o Ocidente. As elites políticas e económicas alemãs contavam também com o facto de a URSS, até nos tempos da guerra fria, nunca ter faltado à sua palavra no fornecimento de gás, pelo que não perspectivavam nos novos tempos, em ambiente de “normais” relações económicas, uma atuação diferente por parte da Rússia. A propósito da proximidade e ligações entre as elites políticas e económicas alemãs e russas, veja-se o exemplo do ex-Chanceler Schroeder com a Gazprom, ou até as ligações muito “duvidosas” do ex-chefe de cibersegurança alemão – que se demitiu por este motivo – com empresas russas ligadas ao aparato de segurança do Kremlin.

A partir da invasão russa, a política energética alemã começou a preparar uma “revolução” nas formas de abastecimento de energia, com a procura de novos contratos e a construção de portos GPL. Além de tudo isto, a Alemanha comprometeu-se a investir 100 mil milhões na sua capacidade militar, sinal esse que veio significar uma inversão na política de investimento em defesa no país, a qual se pautava até aí por uma significativa contenção. O tabu interno sobre a “militarização” alemã encontra hoje menos resistência da população e dos políticos, e isto representa uma mudança de paradigma.

A pergunta que se coloca é: vai a Alemanha aprender algo desta história para a sua relação com a China? Como afirmou o Vice-presidente do governo, Habeck, quando reconheceu que o Ocidente e a Alemanha tinham sido “ingénuos” na sua relação com a Rússia, assim também repetiu o mesmo, recentemente, em relação ao investimento chinês em infraestruturas críticas do país, afirmando que a “ingenuidade” no relacionamento com a China “acabou”. Esta frase sintetiza o espírito da mudança que está a existir na política externa alemã.

As tensas relações entre a China e EUA, e a expansão cada vez mais assertiva do poder chinês, pressionam a Alemanha a rever as suas relações perante o governo de Pequim, algo que a Alemanha faz com prudência, pois não quer colocar a seu principal mercado de exportação em risco. Não é por acaso que Scholz foi a Pequim em novembro, apesar das críticas europeias ao encontro com Xi Jinping. A tensão com Taiwan, o mar do sul da China, ou os protestos na China contra o governo são pontos críticos que poderão aumentar a escalada da tensão entre os EUA e a China, algo que, a acontecer, irá pressionar a Alemanha a demarcar-se cada vez mais da grande potência asiática. Esse distanciamento terá custos. No entanto, toda a recente história com a Rússia, lembra à Alemanha que não deve cometer os mesmos erros, ou seja, ter a sua cadeia de produção e exportação tão dependente da China.

Resta agora saber como é que Olaf Scholz vai gerir a mudança de 180º graus da política externa alemã, que já se exprimiu no corte abrupto das relações económicas com a Rússia, no aumento do orçamento de defesa e num protecionismo crescente em relação à China. Uma coisa parece certa, a Alemanha de Merkel acabou, pois já terminou a época da energia barata, do crescimento exponencial de exportações para a China, e da paz na Europa.

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