O acordo do Governo para aumentar o salário mínimo concretiza a política de desvalorização salarial, tão controversa na era da troika, só que aplicada apenas aos salários mais baixos. Vamos ter mais pessoas a ganhar salário mínimo, algumas que poderiam estar a receber mais do que isso. Estamos perante mais um caso de prioridades políticas de curto prazo com efeitos perversos a médio e longo prazo.

Vamos aos factos. O acordo, do qual a CGTP se colocou de fora, aumentou o salário mínimo de 530 euros para 557 euros. São mais 27 euros por mês. Ao mesmo tempo, as empresas que pagarem essa remuneração passam a suportar uma taxa para a Segurança Social de 22,5% em vez dos 23,75% pagos por todos os salários acima daquele valor.

Para as empresas é um excelente negócio. O encargo com a subida do salário mínimo vai descendo à medida que nos aproximamos da nova remuneração até a um ponto em que os encargos diminuem. Quem já pagava 557 euros vai ter custos salariais mais baixos, poupará cerca de sete euros por trabalhador. Como não há almoços grátis, o que poupam as empresas corresponde àquilo que não entra para os cofres da segurança social. A acreditar nos cálculos apresentados pelo Governo, apesar disso, o saldo será positivo. Ou seja, no cômputo geral, a receita para a segurança social que resulta da subida do salário mínimo é superior à perda determinada pelo desconto na taxa.

Mas esta é a parte financeira que será muito importante para empresas de mão de obra intensiva e pouco qualificada. Mas essas são as empresas que todos os governos apontam como sendo necessário que desapareçam para que a economia se modernize, para que Portugal não seja um país de salários baixos. Pois este Governo acabou de incentivar esse tipo de empresas de salários baixos, oferecendo-lhes um desconto na segurança social.

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Além disso, o acordo do salário mínimo é um incentivo a baixar salários no segmento das remunerações mais baixas. Qualquer empresa que, digamos, tenha margem para pagar salários de 600 euros vai fixar agora a remuneração em 557 euros. As que já estão instaladas e pagam salários próximos do que é agora o mínimo, com direito a desconto na taxa da segurança social, encontrarão com certeza uma forma criativa de chegar a acordo com os trabalhadores para beneficiarem desse “prémio”.

Vamos assistir a um aumento do número de pessoas que recebem o salário mínimo, não apenas porque as que já ganham 557 euros vão agora entrar nesse universo, mas também porque todos os salários na vizinhança desse valor vão tender para o mínimo. O “prémio” a quem pagar salário mínimo, sob a forma de um desconto mais baixo para a segurança social, é obviamente uma política de incentivo a salários baixos.

O acordo do salário mínimo é na prática uma desvalorização salarial aplicada apenas às remunerações mais baixas. Para os bolsos de quem ganha menos o resultado é positivo – quem recebia menos de 557 euros vai, a partir deste mês, levar mais dinheiro para casa. Mas a prazo estamos a incentivar salários baixos.

É impossível não recordar o caso da TSU na era da troika e que caiu pela força de uma manifestação de dimensão histórica dia 15 de Setembro de 2012 sob o lema “Que se lixe a troika”. A medida passava pela redução da TSU a cargo dos patrões e o seu agravamento na parcela suportada pelos trabalhadores – cada um pagava 18%. Era neutra em relação ao nível salarial – aplicava-se de igual forma a todos os salários – mas reduzia os custos salariais à custa do poder de compra dos trabalhadores. Uma medida politicamente impossível mas que, reduzindo o poder de compra, não criava incentivos para baixar salários.

O caso da TSU do salário mínimo ilustra bem os tempos em que vivemos. Uma medida que se traduz no aumento de poder de compra a curto prazo transporta consigo incentivos perversos de contenção dos salários mais baixos a médio e longo prazo. O acordo do salário mínimo é, na prática, uma política que defende uma economia de salários baixos.

É deste tipo de medidas que se faz a política, não económica mas aquela que dá votos. O cérebro humano tem enorme dificuldade em tomar decisões com base naquilo que seria a realidade alternativa. Neste caso teríamos de pensar o que aconteceria se este prémio para salários baixos não estivesse a ser aplicado – e o que aconteceria seria seguramente mais poder de compra, mas a prazo. E o que interessa, na política que garante votos, é o que acontece aqui e agora. Assim se perpetua uma estrutura de produção de baixos salários.