O transtorno da “acumulação” caracteriza-se pela dificuldade de uma pessoa se desfazer de quaisquer bens e objectos independentemente do seu valor ou utilidade.

As reportagens televisivas da mais recente vaga de incêndios, trouxeram involuntariamente ao conhecimento público, a evidência duma nova condição patológica que afecta uma quantidade exponencial dos nossos cidadãos: a disposofobia, também designada como acumulação, que se pode tornar compulsiva, quando se traduz numa dificuldade em se separar dos seus pertences (mesmo os inúteis) independentemente do seu valor.

O mais corrente nas imagens das televisões foi o visionamento por todo o país, das quantidades exponenciais de inutilidades e de materiais altamente inflamáveis, que se encontravam dispersas nos quintais das habitações que os bombeiros se esforçavam por defender.

Não vamos aqui repetir as principais causas dos incêndios devastadores nas regiões do sul da Europa, nem a frequência com que isso agora sucede, por via de alterações climáticas. Isso está suficientemente esclarecido.

O que normalmente escapa à análise de responsáveis políticos e mesmo dos próprios técnicos, é a responsabilização dos próprios cidadãos, nomeadamente dos proprietários das habitações, sobretudo nos meios rurais. Claro que um político precisa de votos e não convém – mesmo que isso fosse justo- responsabilizar algo mais que a habitual ineficiência ou falta de meios do próprio Estado e o inclemente clima. Os técnicos, se são funcionários do Estado, igualmente fogem a essas considerações, com receio de serem repreendidos.

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Mas a verdade é outra. Ainda que para tal fosse empenhada toda a determinação, proceder ao ordenamento do território, mesmo com a colaboração e empenhamento activo dos cidadãos é uma tarefa para décadas. O ordenamento do território, não é uma questão de normas e papéis, pois disso temos em quantidade até excessiva. Apenas com um interesse empenhado dos proprietários dos meios rurais, essa tarefa será viável e muito prolongada no tempo. Ora, estarão os nossos concidadãos dessas regiões dispostos a tratar a sua disposofobia? Deixarão de plantar fábricas e armazéns no interior da floresta como se de um parque industrial se tratasse? Deixarão de depositar nos seus quintais – no meio da floresta- inutilidade, lixo e materiais combustíveis?

As imagens dos incêndios são claras. Em largas zonas, para defender as habitações, os bombeiros perdem horas a apagar o incendio das caixas e caixinhas, caixotes de papel, pneus gastos, paletes várias, isto é, lixo que os habitantes possuem nos quintais e nos anexos das suas casas. E não foi o clima que lá colocou o lixo. Foram as pessoas que lá habitam ou os seus vizinhos.

Apontar responsáveis para qualquer catástrofe é sempre o caminho mais óbvio. Os pirómanos doentes mentais ou os criminosos que consciente e dolosamente iniciam ignições, são claro uma parte importante do problema. A falta de limpeza dos próprios terrenos de propriedade pública é outro constrangimento para a prevenção. Mas apesar de tudo isto, se existisse uma cultura de prevenção colectiva, sobretudo nos meios rurais, minimizávamos muito estas situações mais extremas.

A solução – se é que solução existe – não será certamente despejar mais dinheiro em cima de problemas, criando mais “fundos de catástrofe” e mais subsídios a tudo e mais alguma coisa.

Quando se fala de solidariedade nacional é irresistível uma comparação só aparentemente despropositada. Se os habitantes do interior que só usam uma vez por outra a companhia aérea nacional, são penalizados por contribuir para a sua sustentação e, portanto, de algo que não usufruem, então os habitantes das cidades que só viajam ao interior uma vez por outra, também se podem considerar penalizados pelo custo que tudo isto envolve? É claro que não. Em ambos os casos estas opiniões são absurdas.

Agora algo é certo. Não se pode desculpar a própria incúria dos cidadãos, porque existe uma espécie de medo colectivo de imputar responsabidades concretas e ficar comodamente por responsabilidades difusas. E muito menos, voltar à eterna desculpa que a pobreza desculpa tudo, criando com isso a pior das discriminações, mesmo que a intenção seja a contrária. Na verdade, pode-se ser pobre e ser asseado. E há milhões de casos que isso comprovam. Ao contrário de outros.