Como é óbvio, não preciso de dizer ao leitor que Mário Centeno apresentou o Boletim Económico do Banco de Portugal, na semana passada. Se for como eu, nem deve ter dormido na noite anterior. Fico sempre numa grande excitação. Pareço uma criança à espera do Pai Natal, se o Pai Natal fosse um entediante burocrata que vem explicar, com gráficos complexos, porque é que este ano ninguém vai receber presentes.

Desta feita, Mário Centeno abordou o tema da inflação. Graças a Deus, não se ficou pela abordagem, deixou também valiosos conselhos sobre como lidar com o aumento generalizado do custo de vida. Destaco as partes da notícia com as dicas de Centeno. Para quem não está habituado ao jargão de académicos, acrescento a tradução para língua de gente que paga contas mesmo na mercearia e não num modelo económico.

Mas há neste indicador [inflação] um certo “efeito estrutural”, ligado à transição energética. E é nesse âmbito que Centeno arrisca uma receita: “Adaptar, mesmo que temporariamente, o nosso consumo e decisões a este precioso sinal que as economias nos dão, o preço.”

Adaptar o consumo ao preço. À primeira vista, “adaptar o consumo ao preço” soa a “não vivam acima das vossas possibilidades”. Mas, não. Mário Centeno não está a dizer para não vivermos acima das nossas possibilidades, está só a dizer para não comprarmos produtos para os quais não temos dinheiro. Completamente diferente.

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O preço é um sinal. Mais precisamente, o sinal de STOP. O “efeito estrutural” quer dizer que o preço já não vai descer.

Como? Uma pista veio logo na intervenção inicial, quando Centeno refletiu sobre as causas do aumento da inflação: aproveitar esta altura para adaptar comportamentos que contribuam para a transição energética — que “tem também um papel no valor da inflação que hoje observamos”.

“Parte destes efeitos [na inflação] são efeitos estruturais de uma transição climática que tem impacto nas nossas vidas, mas é um objetivo a que todos devemos estar comprometidos. E essa transição tem também um papel no valor da inflação que hoje observamos. Ela é também transitória, ainda que mais longa, e temos de a refletir nas nossas decisões de consumo e produção se quisermos ser consequentes com os objetivos que traçamos.

Cá está: adaptar comportamentos. Quando está frio, uma pessoa comporta-se no sentido de ligar o aquecimento. Tem de adaptar esse comportamento e deixar de o fazer. Ao início, custa um bocado. Instintivamente, vamos com a mão ao termóstato. Mas o preço é um sinal. Mais precisamente, o sinal de STOP! Não toque nesse interruptor! Ao fim de uns dias, perdemos hábito. Até porque está tanto frio que nem nos apetece tirar as mãos dos bolsos. Mas, lembra Centeno, temos de reflectir os aumentos de preço nas nossas decisões de consumo e produção, se quisermos ser consequentes com os objectivos que traçamos. Ou seja: querem descarbonizar, não é? Então paguem, que a transição energética é cara.

Significa isto que, para Centeno, devemos reduzir o consumo? Ou direcioná-lo para padrões mais sustentáveis? À pergunta dos jornalistas, o governador não respondeu diretamente. Já questionado sobre se quis com isto deixar algum “alerta” para a subida de preços, o também economista tentou explicar melhor o sentido das palavras.

Diz Centeno que os preços são um “sinal” que os portugueses devem ter em conta nos seus consumos. “Devemos estar sempre muito atentos àquilo que os preços nos sinalizam nas nossas tomadas de decisão. Foi nesse âmbito que as palavras foram proferidas. A transição climática — que tem um pacote de apoio muito significativo nos PRR (Planos de Recuperação e Resiliências) dos países europeus — é uma transformação estrutural no nosso comportamento, na forma como produzimos e consumimos, como geramos energia para todas estas atividades, desde as nossas deslocações ao trabalho, à forma como temos ares-condicionados e fábricas a funcionar. É absolutamente inevitável que tenhamos consciência deste sinal que os preços nos dão.

Imaginem que estamos num jogo de mímica e os preços estão a dar pistas. Nunca conseguiríamos descobrir o que é que os preços nos estão a tentar dizer. Somos mesmo broncos. Os preços a indicarem e nós a não percebermos. Mais: a transição energética é cara. Habituem-se.

Pouco depois, viria a dizer que temos de estar “dispostos a adaptar, mesmo que temporariamente, o nosso consumo e decisões” aos preços, pelo que “qualquer interferência nos mecanismos de formação dos preços pode ter impacto na forma como se desenrola a transformação económica”. Centeno deixa mesmo um aviso ao governo, ainda que indireto: se por um lado devemos “encontrar mecanismos de acomodação temporária” destes fenómenos inflacionistas, por outro lado “seria um erro” querer “esconder” essa pressão com “medidas que possam prejudicar essa mesma transição [climática]”.

A sério, pá. Se está caro, não consumam. E não vale a pena porem-se com a parvoíce de baixar os impostos. Eu já tinha dito que a transição energética é cara, ou não? Paguem. Ou vão a pé.

Centeno repete que defende “medidas temporárias” para “choques temporários”. “A transição climática tem custos energéticos significativos e a resposta que temos preparada para isso está no PRR (…). Não pode ser a política fiscal nem políticas orçamentais do lado da despesa a dar essa resposta estrutural”.

Resumindo: os preços sobem, os impostos não descem. Mas é para bem do planeta, por isso não se queixem.

E foi isto. Aposto que mais de metade do tempo dedicado à elaboração deste boletim foi gasto pelo BdP a escolher o dia propício para o apresentar. Os analistas afinaram os cálculos e concluíram que era 4 de Maio: já não está frio que obrigue a ligar o aquecimento e ainda não está calor que justifique ligar o ar condicionado. Sem dúvida, a altura ideal para vir dizer que a energia vai ficar cada vez mais cara e não há nada que possamos fazer para o evitar. Calha em cheio naquela semana do ano em que em Portugal se vive bem à temperatura ambiente.

Mas, como diz Centeno, não há nada a fazer. “Temos de ser consequentes com os objectivos que traçamos”. E o objectivo é descarbonizar. Portanto, toca a explicar às pessoas que passam frio que devem adaptar os seus consumos para que, em 2100, os seus netos tenham a linha da costa 30 cm mais atrás. É razoável. Da mesma maneira que teria feito todo o sentido exigir a um português de 1940 que sacrificasse o seu bem-estar para que hoje tivéssemos menos 0,2°C de temperatura média. Estaríamos muito melhor. O que é que lhe custava viver um bocadinho pior? Já era pobre! De certeza que nem ia notar a diferença se adaptasse os consumos.

Até que enfim, aparece um político a admitir que a transição energética é cara e que somos nós que a vamos pagar. Durante muito tempo, houve a ilusão de que a descarbonização não só era barata, como até ia diminuir a conta da luz. Sucede que, enquanto não se resolver a questão da intermitência das renováveis e do armazenamento em baterias, vamos sempre precisar de manter um back up à base de combustíveis fósseis. E isso é caro.

Portugal tem a bazófia da energia renovável que produz, mas é fraco consolo. Somos como um garanhão que se gaba sem razão.

– A nossa vida sexual é estupenda.

– A sério?

– Sim. Ainda ontem mantive uma erecção durante 7 horas.

– Campeão! E a tua mulher aguentou?

– Ela não estava em casa. Tive a erecção quando estava sozinho. Quando ela chegou, já não tive força.

– Então como é que a vossa vida sexual é estupenda?

– De vez em quando tenho uma vontade muito grande quando não há possibilidade de a gastar. Depois, quando a minha mulher quer, não consigo. Como isso acontece muitas vezes, arranjei um back up. É moçambicano e chama-se Semedo. Se eu não tenho capacidade, o Semedo está sempre pronto para me safar.

Mário Centeno acaba de nos apresentar o nosso Semedo.