Dentro dos temas de que fujo está a conversa ‘a juventude de hoje está perdida’ e todas as variações de ‘antes o mundo era maravilhoso e agora está um descalabro’.

Ora bem: antes o mundo não era maravilhoso e agora não está um descalabro. Ou, se está um descalabro, pelo menos está menos do que costumava estar. Como o meu objetivo não é provar este ponto (e estou com pressa de chegar aos adolescentes), deixo-vos os argumentos de outros, um de 2012, um de 2013 e outro de 2014. Até britânica e conservadora The Spectator e a americana e esquerdista Slate concordam que o mundo não está condenado. Por isso, caro leitor pessimista, lamento informá-lo, mas não, a humanidade não caminha para o apocalipse. Habitue-se.

É bom recordar os progressos nestes dias em que se tornou mantra nacional declarar que a sociedade está doente, ou, pelo menos, os jovens estão doentes, estamos a criar monstros, levemos as mãos à cabeça que famílias e escolas estão a falhar e o futuro que aguarda os menores é uma distopia que nem Orwell previu.

É certo que a realidade espicaçou. Primeiro o bullying de um adolescente por várias raparigas. Houve os que gozaram com o bullying e acham que deve ser à antiga, um rapaz enrijece se levar pancada e quem dá relevância a estes incidentes só incentiva a mariquice nacional. E os que prometeram violências ainda mais atrozes às agressoras – enquanto viam e partilhavam furiosamente o vídeo, expondo as identidades de agredido e agressoras, tornando-se assim participantes e agravando a agressão que tanto repudiavam.

Logo a seguir serviram-nos o horrível assassínio de um adolescente de 14 anos por outro de 17. E, para acabar bem a sequência, jovens delinquentes julgaram boa ideia lançar garrafas de vidro para a polícia na festa do Benfica, no meio de milhares de pessoas, incluindo crianças.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Os adolescentes problemáticos têm companhia numerosa. Vejamos a violência policial em Guimarães, vinda de adultos com personalidade formada e obrigação de já terem adquirido autocontrolo. Ou os ladrões dos armazéns de Guimarães, com ar de quem está bem na vida mas se dedica a apropriar-se do alheio nas horas vagas. Se os adultos têm comportamentos imorais e desproporcionados, como podemos exigir perfeição e serenidade aos adolescentes?

Além dos maus exemplos dos crescidos, a adolescência é o tempo da vida para se fazer disparates. Eu tenho por princípio nunca confiar em ninguém que tenha tido uma adolescência certinha. Nunca me entreguei à violência contra terceiros ou contra a propriedade, é verdade, mas fiz imensos disparates que, olhando para trás, podiam ter corrido mal. A mistura de falta de noção das consequências, ideia de que se possui imortalidade e que o perigo é invenção dos adultos para nos estragar a diversão, impulsos e emoções fortes, curiosidade natural e oportunidade para a tolice é uma força a que os adultos deveriam devotar benevolência. Para citar duas semanas seguidas Oscar Wilde, não esqueçamos que ‘experiência é o nome que damos aos nossos erros’. E os adolescentes de agora ainda têm câmaras sempre à espreita que garantem o embaraço à distância de um youtube.

Há mais. Adolescentes, quando o contexto propicia e as referências familiares e de valores falham, são particularmente capazes de violência e crueldade. É por isto que muitos exércitos questionáveis recrutam soldados adolescentes: não temem nada e perdem facilmente os limites. Ando por estes dias a estudar e a escrever sobre os Guardas Vermelhos da revolução cultural chinesa e ainda pasmo com os requintes de malvadez com que os adolescentes mimoseavam os ‘inimigos de classe’, os ‘revisionistas’, os ‘direitistas’ ou, na linguagem sempre poética da China, os ‘espíritos de serpentes’. Se quiserem um exemplo de espancamento selvático e tortura de um professor (que mal chegou a casa se suicidou) por alunos de escola, podem ler as páginas 166 a 169 de China’s Cultural Revolution, 1966-1976, Not a Dinner Party, editado por Michael Schoenhals. A maldade e a violência adolescentes não foram inventadas minutos antes do twitter.

E isto leva-me ao assassínio. Que fique claro que não procuro atenuantes para o adolescente que matou, nem quero desculpar um crime hediondo com a mãe que não abraçou devidamente o filho em bebé. Um adolescente morto está além destes lirismos.

Mas há que reconhecer que talvez ninguém tenha ensinado àquele adolescente a distinção entre bem e mal. A mãe enviou-o para uma instituição quando era pequeno e, depois da detenção do filho, apressou-se a repudiá-lo no Facebook, afirmar que os pais não têm de pagar pelos erros dos filhos, desejar que fosse o seu filho o morto e mais doses de amor maternal. Como mãe, o comportamento desta pessoa repugna-me. Uma mãe pode estar dilacerada pelos atos de um filho que nunca lhe passa pela cabeça publicamente rejeitá-lo ou prejudicá-lo. (Entretanto veio desdizer-se contrita no mesmo Facebook.)

No caso do jovem assassino, a verdade feia é provavelmente esta: aprendeu com a mãe como destruir pessoas. Mas um e outros são adolescentes copiados dos de ‘antigamente’ – acrescentam-se só as redes sociais a publicitarem os imperdoáveis.