A história do Peter Pan transporta-nos para a ilha da magia onde o tempo da infância fica parado e entregue à possibilidade de aventuras cativantes e desejáveis. O Peter não quer crescer nem sair da terra do nunca, pois a vivência plena da fantasia supera qualquer noção da realidade.

Quantos adultos sonham voltar ao paraíso infantil, longe das obrigações do mundo adulto? Alguns fazem tudo para evitar contactar com a realidade que os contaria e frustra. Estes fazem por não crescer e tornarem-se adultos que têm de abarcar responsabilidades de todo o tipo, sendo as mais difíceis vividas como chatas e entediantes. Perante um sentimento de desencanto com a vida que os rodeia, por não se sentirem a viver a todo o tempo proezas memoráveis, refugiam-se no seu mundo fantasioso.  São adultos com uma forte tendência para não querer assumir compromissos por sentirem as obrigações como uma prisão e ameaça à sua liberdade. Desejam viver sob a tutela do princípio do prazer evitando a concretização de qualquer dever. Parecendo serem uns adultos mais adolescentes pelo modus vivendis que adotam, procuram estender a juventude e viver num aqui e agora prolongado. Avessos a planos, dificilmente assumem uma vida profissional assente em cargos de responsabilidade que têm de abarcar. Difícil assumir um compromisso amoroso duradouro mas quando acontece, planear casar vai sendo sucessivamente adiado, como forma de não consolidar a estrutura relacional e as condições materiais. Ter filhos só se for na perspetiva de companheiros de brincadeira, sendo mesmo muito difícil de os querer, pois para ser pai/mãe é preciso prescindir da sua posição infantil.

As caraterísticas dos adultos Peter Pan’s traduzem-se numa imaturidade emocional, pelo modo como lidam com a realidade que implica compromisso e obrigações (não quer de todo dizer que não sejam adultos inteligentes e capazes de as cumprir mas não querem assumir aquilo que sentem como um fardo). Quando algo não corre bem, dizem logo que a culpa não é sua, atribuindo a responsabilidade ao exterior e não a si (justificam as suas faltas pelas circunstâncias externas e falhas dos outros). Colocam-se mais no lugar de serem cuidados do que na posição de cuidar. Recebem mais do que dão. Sonham alto belos sonhos difíceis de concretizar. São sedutores e envolventes mas rápido se afastam daqueles que não correspondem às suas expectativas idealistas.

Podemos perceber que estes Peter Pan’s cresceram sob a superproteção dos pais, com caminhos facilitados de modo a cumprir os seus desejos e pouca responsabilidade lhes foi atribuída. A consequência dos seus atos menos apropriados foram amparados e justificados por más influências (dos outros), com muita tolerância para os seus erros. Foram sujeitos a uma redoma complacente com um reinado principesco que defenderam manter até onde puderam, logo, não tiveram grandes oportunidades para crescer e resolver autonomamente as suas dificuldades.

Como nos dizia João dos Santos, figura de referência na psicanálise e promotor da área da saúde mental infantil em Portugal, o segredo do homem é a própria infância. Compreendemos os adultos à luz das experiências da infância. Felizes são os adultos que mantêm a capacidade de brincar e preservam o belo do seu mundo infantil no mundo adulto. Mas, entendamos que contactar e deixar perpetuar a nossa infância, o bom desses tempos que guardamos como tesouros internos, não é sinónimo de nos esquecermos de crescer como homens e mulheres capazes de integrar a realidade e o sonho, o bom e o mau da realidade, o encanto e o desencanto, o belo e o feio de nós mesmos.

anaeduardoribeiro@sapo.pt

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