Custa-me lidar com organizações que aparentemente foram criadas para cuidar dos interesses dos cidadãos e melhorar a sua qualidade de vida, mas demasiadas vezes agem contra eles. Contra nós, quero dizer. A EMEL é uma organização que confunde os utentes por ter critérios diferentes todas as semanas. Já assisti a situações muito dramáticas e também já fui vítima de acções e multas discricionárias, sem sentido absolutamente nenhum. Pior, já vi muita coisa acontecer nesta cidade sem que os agentes da EMEL intervenham ou se lhes mexa uma fibra de autoridade.

Quem tem o azar de morar em zonas da cidade que foram delimitadas pela EMEL e entregues à sua exploração pode sofrer, e muito. Os parquímetros, pilares e pilaretes nem sempre funcionam; os zeladores da empresa aceitam num dia aquilo que rejeitam liminarmente no outro (matrículas e selos de carros autorizados, mas impedidos de entrar nas zonas de residência, mesmo tendo tudo em ordem), e os senhores que patrulham as ruas têm os seus humores.

Um morador, por exemplo, pode estacionar o seu carro durante semanas, meses a fio, no mesmo lugar, sem que nada aconteça, apesar de se manter o giro diário dos funcionários fardados, mas eis que numa bela manhã passa um agente da EMEL noutra disposição e com critérios porventura mais avulsos, por assim dizer, olha para o carro que tantas vezes esteve naquele preciso lugar, mede distâncias ao passeio e zás, passa uma multa. Depois segue o seu caminho, certamente com a sensação do dever cumprido por ter autuado o morador atrevido que encostou devidamente ao passeio, mas não guardou uma distância de cinco metros relativamente à esquina (esquina que dá para um beco muito curto, sem estacionamento nem saída, note-se), isto num bairro onde cada morador faria uma festa e deitaria foguetes se tivesse cinco metros à sua disposição para estacionar o carro ao fim do dia.

Lisboa tem zonas ultra problemáticas para os moradores, e os senhores da EMEL sabem isso muito bem. Todo o perímetro próximo do Bairro Alto, Cais do Sodré, Ribeira, Rua de São Paulo, rua cor de rosa e afins é literalmente abalroado por não-moradores de quarta a sábado. Ou seja, quatro em cada sete dias da semana os moradores são obrigados a permanecer em casa ou a dormir na rua, no carro, até que os primeiros noctívagos comecem a cair de bêbedos e venham aos bordos pela estrada pegar nos seus carros e libertar a rua (não sem antes deixarem as marcas repulsivas de chichis abundantes vertidos sobre as portas de entrada das casas, mas claro que sei que isso não tem nada a ver com a EMEL, sou só eu a fazer a minha catarse e a dizer como é a fauna que ocupa os lugares dos moradores, deixando famílias inteiras com velhinhos e crianças reféns das suas noitadas).

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Nestas ruas e bairros, que os senhores da EMEL tão bem conhecem, inventam-se dois tipos de lugares de estacionamento: os que perturbam o trânsito e os que não perturbam nada nem ninguém. Os que perturbam são os que ficam em segundas filas a impedir os carros e as pessoas de passarem, tantas vezes sem merecer a atenção das autoridades; os que não perturbam são os que aproveitam a rua milimetricamente e conseguem encaixar quatro rodas em espaços exíguos com manobras exímias. Ou seja, podem não respeitar os tal cinco metros antes da esquina de meia rua que não leva a lugar nenhum, mas também não atrapalham a vida de rigorosamente ninguém. Uns e outros são bem visíveis, mas aparentemente os cobradores da EMEL só têm olhos para os que, não tendo escolha e morando no bairro, aproveitam cada centímetro da rua, tentando a todo o custo entrar e sair de casa. Ou melhor, para os que continuam a ter que morar nas suas casas.

Não sei porque carga de água os sujeitos da EMEL nunca multam nem rebocam ou bloqueiam à noite nestes bairros, em que os carros dos moradores são literalmente expulsos das suas ruas. Nunca vi um agente nocturno a fazer este trabalho. Pelo contrário, vejo que as pessoas da noite sabem isso e abusam. Enchem, atafulham as ruas de carros porque sabem que nada lhes acontece. Já os moradores, esses se têm o azar de quererem voltar a casa para jantar ou, cúmulo dos azares, depois do jantar (tantas vezes por imperativos profissionais), não têm onde enfiar o carro. E inventam para a noite os tais lugares que a EMEL se encarrega de punir pela manhã.

No dia em que os senhores da EMEL perceberem que os lugares que os moradores inventam nas noites de Bairro Alto e Cais do Sodré se devem ao facto de não existirem alternativas, pode ser que a realidade mude e nos sintamos todos minimamente protegidos e compreendidos. Multar e bloquear moradores de dia é perverso quando os não-moradores fazem o que querem das ruas durante a noite! Por tudo isto e porque raramente se encontra um agente da EMEL sensível aos argumentos de moradores que se sentem duplamente agredidos, seja pelos que invadem e expulsam durante a noite, seja pelos que chegam e multam durante o dia, pergunto se a EMEL existe para proteger ou massacrar ainda mais os cidadãos moradores nos bairros. Afinal é a favor ou é contra nós?